quarta-feira, dezembro 23, 2009

"Eu te darei o céu, meu bem..."

"Eu te darei o céu, meu bem e o meu amor também", vinha ele cantando em altos brados.
Tudo normal, se não fosse no meio do trânsito da lotada avenida Giovanni Gronchi, pilotando uma potente moto, carregada de pacotes.

Até, pro sempre comportado povo paulistano, que tenta ignorar qualquer ato incomum de um ser humano, a atitude astral do cara, não conseguiu passar despercebida. E quase todos que estavam próximos de mim, na calçada, riram satisfeitos e solidários. Não aguentei e bati palmas.

Será o Natal? Pensei. Pensei e ao mesmo tempo tentei imaginar, o que teria acontecido ao motoqueiro, pra quebrar as regras e externar alegria, em pleno trânsito caótico. Dinheiro extra? Uma promoção? Um presente especial? Um novo amor?

Ou seria o contrário? A falta de grana... Quem sabe um pai de família, endividado, e que além das inúmeras dificuldades pra criar os filhos, pagar escolas, botar comida na mesa, ainda tinha que descobrir uma saída honesta pra comprar presentes, nestes tempos consumistas? Cantar pode ser uma válvula de escape. Aos berros, a terapia fica melhor ainda.

Não. Se ele estivesse deprimido, iria descolar um outro repertório robertiano, tipo "eu prefiro as curvas, da estrada de Santos..." ou "além do horizonte deve ter..." ou, "lady Laura, me leve pra casa..."

Não! Nunquinha. Meu entusiasmado coração natalino-família-escorpiano-tigre, em véspera de grandes e históricas transformações anuais, confirma que o motoqueiro cantava mesmo era de felicidade!

segunda-feira, novembro 16, 2009

O duro colorido ofício!

Durante a semana é um trânsito maluco de carros. No finde a coisa muda. Um trânsito maluco de carros e... publicidade ambulante!

Como em Sampa é proibida a exposição de placas de propaganda nas ruas da cidade, sobrou pro lado escravagista do capitalismo. O que significa centenas de homens e mulheres circulando pelas avenidas, vestidos com grandes placas indicativas de lançamentos imobiliários.

Por enquanto, o marketing vivo é das construtores de imóveis. O morumbi é farto disso. Pra desespero ecológico e dos moradores que veem os poucos espaços de graminhas reduzirem lightimente os recantos verdes do bairro.


Cada sábado e domingo - época natalina aumenta - forma-se aquela praia colorida de bandeiras, balões e perucas vermelhas, azuis, laranjas, verdes. Conforme as cores das construtoras. "Três dormitórios, duas vagas". É o texto da vez. Em grandes letras. Nas placas menores, prevalece o item mais importante, nestes tempos de guerra por espaços. "Duas ou 3 vagas" .


Foi numa esquina, quase levantando voo, de tanto balão preso nos ombros, que encontrei Carlos Andrade. Um garoto que parece mais com jogador de basquete do que modelo de placa. A altura leva vantagem na hora do recrutamento. Por razões óbvias. "Eles gostam, mas não se ganha mais por isto", fez questão de ressaltar, em resposta a pergunta.


Com 17 anos, ainda no oitavo ano do primeiro grau, ele ganha a vida com bicos. "Ninguém assina carteira ao de menor", afirma. A dária de trabalho para um placa-viva é de R$ 45. Mais a passagem de ônibus. Começa às 8 e meia e termina às 6 e meia da tarde. Folga, só pra fazer xixi. E quando estiver muito apertado. "Me viro com sanduíche, que trago de casa e como aqui mesmo".


Carlos não reclama. "Acho bom. São quase uns centinhos, só no final de semana, meu".


Durante a semana, ele só estuda. Filho do meio de três irmãos, ele diz que não ajuda em casa, porque o salário de segurança do pai " dá pra viver".


O que não acontece com Amanda Cruz, sua colega, de 15 anos. Ela afirma que mais da metade do que ganha no sábado e domingo, vai pra alimentação da casa. "Queria poder encontrar um emprego legal, que pudesse ganhar mais, mas é dífícil pra mim". Órfã de mãe, Amanda é responsável pela casa, a alimentação e o cuidado com os irmãos menores, durante a semana, além de estudar à noite.


"Ei, acho que este senhor da Pajero quer a minha informação", desculpou-se para atender o cara, que a chamou. Se o comprador der o nome de alguém que o indicou para o local, ganha um presente do corretor.


Não foi desta vez. Dá pra ver no rosto de Amanda, ao retornar ao seu local de trabalho. "Puxa, ele só queria o meu telefone pra combinar de sair mais tarde", disse tentando esconder a decepção e não desanimar na injusta luta pela guerra da sobrevivência.

segunda-feira, outubro 12, 2009

Importante é ver com o coração


O dia amanheceu frio e nublado, neste feriado. Cinza e triste. Só não digo a cara de São Paulo, porque o barulho de businas e motores deu uma trégua, na sempre movimentada e frenética avenida Guilherme Dumont.

Então de longe, eu a percebi.

Ela vinha caminhando na direção oposta à minha. Bengala colorida. Lenço de seda na cabeça, recoberto por um chapéu vermelho. Écharpe florida no pescoço. Sombra verde, combinando com os olhos expressivos, apesar da idade secular. Base no rosto envelhecido, de quem já viveu muitos séculos. Uma figura, realmente, muito estranha.

"Como se desenha um unicórnio? - me perguntou de sopetão, no exato momento em que nos cruzamos, num português enrolado.

Instintivamente peguei o papel e o lápis que ela me oferecia. Ia começar pelo chifre. Pensei no Saint-Exupéry e parti pra imaginação: fiz uma caixa e disse que o unicórnio estava dentro dela. Ao invés de me xingar, ou fazer cara feia, ela abriu um sorriso tão largo, que mudei o rumo do caminho, pra acompanhá-la. Devagarinho. No seu passo.

"Você também veio do céu" - me disse quase murmurando no ouvido.

"Vim", falei inconsequente, querendo saber até onde ia a historinha.

Depois de um longo papo, descobri que ela vinha de outro planeta. Era um lugar muito parecido com a terra: o asteróide B 612. Mas com bem menos habitantes. Cerca de 10 mil. Por ser muito pequeno.Todos descendentes de um príncipe e uma vaidosa rosa. A única que não murchava no planeta e ganhou o amor do principezinho, contou.

"A flor era tudo pra ele. Mas era mentirosa e isso o magoava muito". Decepcionado, resolveu viajar. Então caiu no deserto, após ter pego carona com um bando de pássaros.

Triste e confuso - continuou - o Pequeno Príncipe andava pela Terra, quando deu de cara com uma raposa. Foi ela quem ensinou a ele os segredos mais importantes da vida, como cultivar as amizades e aprender a amar. Ficou quase um ano por aqui. E voltou pra sua rosa, por descobrir que ela era única, no meio de tantas.

Perguntei se ela era a única daquele planeta que estava entre nós. Ela me respondeu que a quantidade dependia da cabeça das pessoas. "A grande maioria não consegue enxergar um ser diferente".

Dito isso, ficou sonolenta e desapareceu como que por encanto!

Pensei: o essencial é invisível para os olhos. O importante é ver com o coração...

E continuei meu caminho, sentindo o calor do sol, curtindo as flores e ouvindo o canto dos pássaros, apesar do tempo nublado e da avenida, nesta altura das horas, congestionada de carros.






quinta-feira, setembro 24, 2009

Historinha de um amor fast food

"Oi, você não tem como escapar. Eu sempre te acho...
" A voz coquete, que antigamente dava arrepios de tesão no irrequieto coração de Artur, naquele momento causava indiferença. Daí, o diálogo frio, sobre o tempo da nova cidade, o novo tipo de trabalho, o filho....
Na última vez que os dois haviam se falado pessoalmente, foi para Artur dar um ponto final no relacionamento recém reiniciado entre eles.
Claro, que Solange não aceitou. Possessiva e carente como era, jamais admitiria o fora. "Amanhã eu chego aí... Já comprei a passagem...
Pelo sim, pelo não, Artur preferiu fugir pra Fortaleza, sem avisar.
Pelo sim, pelo não, já no seu ap, com a ex-mulher, evitava atender o telefone.
Dois dias após, quando ela chegou na portaria, pra entregar uma foto, que ela havia roubado de sua carteira, mandou dizer que não estava.
Também mandou dizer que não estava, no outro dia, quando ela foi lhe entregar uma bermuda, que tinha ficado na sua casa.
Avisou ao porteiro que não poderia descer, quando Solange, retornou no dia seguinte, pra lhe devolver uma camiseta também esquecida. Bah, ainda tem outra lá, pensou desesperado.
Riscado o telefone e endereço, a estratégia de Solange virou via para o cerco constante. Via torpedos... via recados de amigas... via praia...
...Via namoro com um grande amigo seu, na tentativa de frequentar a casa do casal. Artur decidiu se mudar. Estava realmente empenhado em preservar seu relacionamento de quase uma década, com a atual mulher.
Quase um ano depois, Artur atende o telefone. Ela sempre achava. Fala com uma amigável Solange, se dizendo apaixonada como nunca na vida, feliz como nunca na vida, anunciando o casamento com o pai do seu filho. "Ele sempre foi o grande amor da minha vida..."
Artur ficou feliz, como nunca.
Até a historinha retornar ao início. Lembra? A continuação do telefonema de Solange. O papo do tempo. Do trabalho. Do filho...
"Sabia que eu casei no ano passado?" - finalmente falou, no momento em que Artur estava se despedindo.
"Ah é, parabéns..."
"Não, não é com quem você está pensando. É com um juíz. Ele é lindo demais. Tô apaixonadíssima...
"Ah, que bom, então parabéns de novo".
...eu tô muito feliz...Quer dizer, ele tá mais. Ele é apaixonado por mim, este é que é o problema. Se souber que estou te ligando é capaz de me matar...
...então vamos desligar logo...
...a mãe dele, a sobrinha dele, a família toda me ama demais. Ele me dá tudo o que eu quero. É muito amor...Eu amo ele demais. Mas agora estamos separados...
...xiii, que pena, tenta falar com ele...
...não, fui eu que quis. Ele tá desesperado. Ontem tentou se matar...
...mas se você o ama, porque a separação...
...é que ele tem uma gata...
...ah, entendi...
...uma gata da qual ele não abre mão de jeito nenhum. Até dorme com ela...
...poxa, faz uma concessão por amor...
...não posso, eu tenho alergia... E você? Eu quero te ver. Vou à Sampa amanhã...
Ei, tchau, tão tocando a campainha...
( Claro, que vai ter continuação, qualquer dia...)

terça-feira, setembro 15, 2009

Tempo esgotado!

Não tinha jeito de doente. Apesar de seu aspecto triste e amarelado. Era pequeninha, em comparação com as outras muitas e grandonas, que faziam parte de seu cotidiano. Sabe-se lá, há quantos anos! Teria sido a chuva ou o vento da madrugada? O certo é que ela não resistiu à noite anterior.

Será que pediu socorro? Quem a ouviria, na rua pouco movimentada de gente e repleta de carros apressados? Ou aguentou resignada o destino urbano que lhe foi dado. Aspirando fumaça e poluição? Parecia jovem entre centenárias... Teria filhos? Teria pais? Avós? Qual sua origem?
Mas tinha história. Com certeza! Guardadas na natureza. Quantos beijos presenciados... Quantos amores feitos e desfeitos, num pequeno percurso entre as calçadas e os prédios?

Não viu, aposto, crianças correndo suadas, lambuzadas de areia, jogando bola... A zona não permitia esse tipo de liberdade. Nobre e com edifícios cercados por todo tipo de aparelhos de segurança. Além disso, era de outra geração. A da infância muito ocupada. Com cursos e jogos eletrônicos como lazer.

Assaltos. Alguns, deve ter observado. Testemunha ocular de planejamentos estratégicos. Vigilância programada. Desfechos previsíveis... No silêncio da rua, onde só as máquinas tem direito.

Hoje cedinho ela não assistiu os rotineiros barulhos dos portões das garagens se abrindo pra pulsação da vida. Nem a chegada dos milhares de funcionários na direção de mais um dia de trabalho em seus respectivos prédios.

Estava caída. Inerte. Ocupando metade da calçada, da rua José Galante. Sozinha. Sem ninguém pra lamentar a sua falta. Mais tarde, será retirada por um caminhão da prefeitura. Nos próximos dias, será lixo ou carvão.

terça-feira, setembro 08, 2009

O som da vida

O sol batendo radiante nas árvores diversificadas em vários tons de verde. A grama fresca de um imenso jardim. Flores vivas, de todas as cores e tamanhos. A água límpida estalando em pontos cristalinos. Canção doce de um cenário de filme...

Algum lugar do Rio Grande... Algum lugar de Belém Velho... Algum lugar de Salvador... Alguma praia de Vitória... Minha casa florida, escondidinha em Fortal... De onde vinha este canto lindo e diferente do pássaro que insistia em gritar bem alto pra ser ouvido, no início da manhã desta terça-feira, dando o seu grito atrasado de independência?

Maravilhoso... Mas aflito... Como que de alívio e pedido de socorro... Uma mistura de infância exuberante e rígida polidez de adulto.... Um canto de campo, em plena realidade paulista!

Parecia. Mas não era sonho. Mesmo sem a presença do sol. O escuro da luz que resplandecia às sete da manhã, entre buzinas e ruídos de trânsito engarrafado, indicava a visão do décimo segundo andar da avenida chuvosa. Ainda sonolenta, entre as cortinas semi-abertas.

Uma manhã caótica, apesar do encanto do despertar... Chuva de granizo, céu tomado de nuvens pretas... Uma São Paulo previsível.

Parecia tão longe... A casa na favela sendo arrastada. A morte de um motoqueiro imprensado entre um caminhão e ônibus. Um assalto no condominio. Uma árvore caída no carro. A luz cortada. Um tornado abortado. A vitrine praiana do shopping.

O canto emudeceu. No café da manhã. A previsão de tempo feio, pro resto do dia, no Bom dia Brasil.

terça-feira, agosto 25, 2009

Anti-vírus corrupção

"É você mesmo?! Não acredito..."
A senhora elegante e surpresa, que acabara de sentar na mesa em que eu tomava um café, no shopping Jardim Sul, no meio da tarde de ontem, parece ter sido atraída pelo poder do pensamento.
Era em situações vividas por ela e outros colegas seus, justamente o que pensava, após ler a crônica do Nelson Motta, no Estadão. Ele reivindicava adicional de insalubridade para os repórteres políticos do Congresso, por trabalharem no meio de tanta podridão.
Não querendo me meter, mas já me metendo, acrescentaria: com um bom anti-vírus, também. Convivendo, diariamente, como repórter, no Parlamento, há quase 15 anos com a tradicional "raça", me lembrei de alguns colegas que foram contaminados pelas promessas de bons salários de maus políticos e acabaram mudando de camisa.
Estranhamente, de críticos, viraram defensores ferrenhos. Muitas vezes, sem qualquer cargo físico. Muitas vezes, por imposição do próprio dono do órgão de imprensa. Fora, os que viraram parte da mesma. Se tornaram políticos. Ainda que bem intencionados no início, acabaram fazendo parte dos esquemas e acordos longe de éticas.
Carmem é o nome dela. Fazia parte da minha lista de fontes políticas. No vocabulário jornalístico, fonte é alguém confiável, que passa informações, com a condição de não ter seu nome citado. Acho que não nos víamos há uns 9 anos ou mais. Fazia parte da assessoria do então deputado federal e ex-ministro Paulo Lustosa.
Na época, ela dividia seu salário com mais dois funcionários do gabinete. Por terem outros empregos públicos, os dois não podiam estar no registro da Câmara. Um belo dia de dezembro em Brasília, quase perto do natal, ela resolveu dar um basta no emprego e se mandou com a família pro Ceará. Logo após ter recebido o salário integral, incluíndo o décimo-terceiro...
Me disse que agora pretende se candidatar pelo PMDB à Câmara Municipal de Fortaleza.

quinta-feira, agosto 20, 2009

O lixo ético e o banal respeito humano

O dia desta quarta-feira amanheceu a cara do inverno paulista. Frio e nublado. Mas Rodrigo nem ligou. A sua frente, só via sol. Era o primeiro dias das férias, de 20 dias. Depois de dois anos de intenso trabalho, era a primeira vez que ele conseguia conciliar nos dois empregos um período livre.

Nada de barulho de carro, sirenes, trânsito engarrafado, gente apressada, averiguações de furtos, computadores paralisados, atendimento pra ontem. A ordem era se mandar! Longe desta zona de conflito estressante em que atuava diariamente como vigia de um shopping no morumbi e técnico de informática à noite.

"Tá bom! Vamos com calma", pensou Rodrigo ao se sentir estranho, depois de acordar, tomar banho e vestir jeans e camisetas pra sair de casa. Ainda viu , no Bom Dia Brasil, a Comissão de Ética do Senado arquivar todas as denúncias contra Sarney. Fez questão de se olhar no espelho, pra ficar convencido de que finalmente se livrara do sizudo terno azul-marinho.

Reuniu a mulher, a sogra e seu filho pequeno. O destino ? Uma fazenda qualquer, na estrada entre São Paulo e Rio. Antes, uma passada no supermercado Carrefour. Pouca coisa pra comprar. Biscoitinho, água mineral, refrigerante. Parou na entrada, deixou a família e foi estacionar.

Já na vaga, Rodrigo de repente ouve um estrondo! Um barulho de moto caindo no chão, ao lado do carro. Ele corre pra ajudar, mas o piloto não quer saber de solidariedade. Foge apressado. O alarme de seu carro dispara. Seguranças. Pessoas. O cerco se fecha. "Prende o ladrão! Grita um homem transtornado. Recebe um pontapé na perna, de outro mais exaltado.

"Gente, esse carro é meu..." tenta explicar. Apavorado. "Imagina, dele nada, chega de impunidade!" Acusa uma jovem, com um carrinho de compras. Rodrigo é colocado em um carro da segurança do supermercado, e empurrado para uma salinha. Com cinco trogloditas. Lá é ironizado. Humilhado. E apanha. Um. Dois. Três socos. "Cala a boca, negão, dono de um eco-esporte, é... goza um deles. Conheço este tipo. Deve ter várias passagens na polícia...

Mais calmo, um "agente da lei" decide averiguar os documentos que ficaram no carro. Encontra a família esperando Rodrigo. Os seguranças analisam os documentos. Um deles, pede desculpas. E vão todos embora.

Assim. Tão banal. Como se tudo não passasse de apenas um engano...


sábado, julho 18, 2009

Estrangeiro de si

A imagem daquele homem sentado na calçada, encostado no muro de um edifício da Giovanni Gronchi, na fria manhã deste sábado, cujos termômetros de rua marcavam 11 graus, deveria congelar mais o coração de qualquer ser humano.
Deveria. Não fosse o casaco de lã e do blusão de tricôt, das calças de veludo e da grossa bota, que vestia.
Deveria. Não fosse, ainda, o rosto indiferente do portador, insinuando uma estranha satisfação, passando a mensagem de não tô nem aí pra vocês. Fazendo contas em um bloquinho de papel, o cara se divertia com uma sinistra matemática.
Às vezes, ele deixava o bloco e passava pra uma folha solta, guardada no bolso da calça. Não resisti. Dei meia volta na caminhada e tentei xeretar. Quarenta e dois menos 9, mais 11, menos 13, vezes 3, mais 15, igual a... 9. “Não. Dá 108”, falei um tanto constrangida. “Uno mais oito...”, respondeu rindo.
Gregório Fernandez, um negrão alto e forte, cabelos até os ombros nasceu em Sampa. Foi adotado com um ano e meio de idade, por uma família hondurenha. Está em São Paulo há quase dois anos.
Há mais de uma semana que o vejo, diariamente, caminhando apressado pela avenida. Com uma pasta debaixo do braço e um gorro de lã. Sempre a mesma vestimenta. Caramba, a cara do seu Jorge, o ator e músico que fez show com a Ana Carolina.
Diz que veio pra cá, pra fazer pós- graduação de Farmácia na USP. E na busca de suas origens. Em busca de si mesmo. Desistiu do curso na metade. Descobriu que o passado não estava aqui. Entrou em depressão. Toma remédio controlado. Às vezes se excede. Vê a rua correr mais que seus passos. Tem que parar. Como fez hoje.
Não vai pra casa. Sua casa não está mais no lugar de antes. Seus parentes não o conhecem. Ele está transformado. Seu passado é outro. Já foi. Se mandou. Um estrangeiro em sua terra.
“Moro por aí”, disse antes de seguir em frente.

sábado, julho 11, 2009

Dogwalker

" Este é o melhor emprego que tive, até agora na vida". O entusiasmo de André contrastava com o rosto sizudo de Luiz, seu colega cuidador de cães. Entre uma das muitas paradas para os respectivos xixis dos quatro cachorrinhos, dois pra cada um, ele exaltava as qualidades da atividade, durante o passeio matinal pelas ruas do Morumbi.
Babá de cachorro. Uma profissão que cresce. Basta dar uma voltinha pelos bairros, que a gente vê dezenas deles espalhados pelas movimentadas ruas da capital. Qualquer dia deverá ser regulamentada. Não é a toa que já andam reiventando o nome. Dogwalker!
"Procuro dogwalker, para passear com cadela rotweiller adulta ( mansa e adestrada) e dois cães RSD (?) ." Diz um anúncio no Estadão de hoje. Entre vários: "Seu cãezinho está entediado? Não tem tempo de passear com ele? Procure-nos." "Tenho segundo grau, curso de informática. Me ofereço pra ser dogwalker". Nestas alturas do campeonato, não duvide se, brevemente, veremos cãezinhos entendidos em internet, procurando amigos no orkut.
"Ôôôô... não falei meu, o mercado tá inchando", disse André ao ser informado da qualificação dos concorrentes. Segundo ele, todos os dias da semana, com exceção do domingo, passeia com os bichinhos, durante duas horas. De manhã, com dois poodles. À tarde, dois labradores e uma pitbul. "Por incrível que pareça, estes pequeninhos são os mais endiabrados", revela. "E eu adoro cachorro."
Outra vantagem, segundo André, é que ele não precisa nem pegar ônibus pra ir ao emprego. De sua casa, em Paraisópolis, até o Morumbi e seus "clientes", são dois quarteirões. Até o material de trabalho - saquinhos plásticos e papel toalha e serragem, pra quando os animaizinhos estiverem com algum problema intestinal - é responsabilidade dos donos dos animais. O salário é o mínimo.
"Pois é, cara, e com tudo isso à sua disposição, você não recolhe os cocos dos totozinhos. Não adianta negar, que eu vi. Você terá que me acompanhar à dp, pro registro. Sou o agente Luiz Henrique". O flagra foi dado em voz baixa, mas chamou a atenção do pessoal próximo aos dois. Fixada em 2001, a lei municipal 13.131 estipula uma multa de R$ 10 para quem não recolher das ruas as fezes de animal.
Ossos do ofício. De Sampa. E dos Dogwalker. André não cumpriu os preceitos. Luiz, policial militar há mais de 15 anos, fingia exercer a profissão de André. Há exatos três dias. A intenção, identificar marginais conhecidos na área, que assaltam com frequência transeuntes e motoristas.

terça-feira, julho 07, 2009

Veronika voltou pra casa

(Ilustração da Revista Piauí, para seu concurso de contos da Flip 2009).
A chuva torrencial, que ameaçava cair no início da manhã, não foi suficiente pra mudar os planos de Veronika. O dia chegara. Tinha que ser hoje. Justamente o aniversário de Paulo. Nada iria interromper o seu caminho. O trabalho. A academia. O blog, o orkut, o facebook, o hi5, que esperassem.
Há semanas que ela pensava esquecer do tempo, pra se entregar de corpo e alma a grande obsessão de sua existência. Hoje não iria se vestir como de costume. Ao invés do clássico terninho, um vestido branco, de decote sensual, que ela havia comprado de véspera para a ocasião especial.
Ressaltaria ainda mais, com o vermelho exuberante das unhas e lábios da mesma cor. Os olhos ela daria o efeito especial , tipo caminho das índias, carregando no delineador preto. As sobrancelhas já eram naturalmente delineadas. A tal da maquilagem definitiva. Que lhe amargaram seis horas de salão, com a cabeça esticada, em um certo lugar do passado...Tão presente. Faltaram as argolas imensas, iguais aquelas em que havia perdido na última noite que saíra vestida pra matar.
Sem problemas. Afinal, os brinquinhos roxos, que não tirava nem pra dormir, colocados em suas orelhas pelas mão nervosas de Paulo, no último encontro, produziriam um bom efeito. Se não estético, com certeza, muito emocional.
O lago que se formara na frente do tradicional edifício Orléans e Bragança, na Giovanni Gronchi, dava pra imaginar o tempo de chuva torrencial que caia por São Paulo, naquela fria sexta-feira de outono. O que fez Veronika entender o motivo de não ter chamado a atenção dos porteiros, ainda que tivesse se coberto com o discreto casacão de couro preto, com cheiro de mofo, achado em seu armário.
Achou estranha a reação do motorista de táxi, quando ela entrou no carro. Um misto de apreensão e surpresa. “Maquilagem demais”, imaginou. Abriu a Piauí, a revista maior, em exposição no banco traseiro e começou a folhear. A mensagem foi certeira. Evitou a conversa, até o edifício de Paulo, em Perdizes.
A fechadura da porta do ap 66, no sexto andar, parecia ter sido trocada. Parecia, porque a chave ainda era a mesma, vibrou Veronika. O relógio da cozinha marcava 15 minutos pro meio dia. Nas sextas, ele passava em casa, pouco antes das três, pra trocar de carro, em função do rodízio das placas. Aproveitava e mudava de roupa. Conforme o programa da noite. Veronika adiantou o relógio pras 6 e 22. E tirou a pilha. Justamente a hora em que se reuniram, pela última vez.
Entre um cigarro e outro , Veronika montava o cenário do grande encontro. Não havia muito a fazer. Trocou apenas alguns objetos do lugar, que a incomodavam. Como um quadro que ela havia dado de presente a Paulo, no seu aniversário de 40 anos. Nem viu o tempo passar.
O horário ou o dia que Paulo chegou no seu apartamento, não importa agora, que o desfecho está próximo. Também não mudou em nada a surpresa que Veronika havia preparado. O registro dos ponteiros, o quadro dela jogado ao chão, com seus sapatos pretos fashion engraxados encima e o cinzeiro cheio, confirmou o que Paulo jamais imaginaria para sua vida, depois daquele dia fatídico. Verônika havia voltado pra casa!

sábado, maio 23, 2009

Outra praia

A última ficha caiu. A praia ficou longe. De verde, amarelou. (Sufocada em algas, ou poluição?). A paixão murchou. O mercado mostrou a cara provinciana. A dengue vingou. O tempo virou. A paisagem se tornou marketing. E chegou a hora da mudança.

Minha praia agora é outra. Calçadões bem cuidados. Rostos estressados. Congestionamentos frequentes, parando o ritmo de quê mesmo? Ar poluído. Gente elegante. Simples. Sofrida. De mau com o mundo. De bem com a vida. Rodeada de prédios luxuosos.

Minha praia agora é urbana. Culta. Bem comportada. Fria. E da qual nunca me enquadrei e sempre falei mal. Talvez estrangeira do meu ontem... Mas sinto o calor de um coração pulsando e cheio de amor pra dar! Bom começo de um relacionamento e quem sabe, um grande amor!

Bye, bye Brasil. Não queria, mas tenho que concordar com o Chico, sobre as imensas diferenças de um país, mesmo globalizado. Depois de 10 anos, a última ficha caiu!


"Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim." (CECÍLIA MEIRELLES

quarta-feira, março 25, 2009

A praia torta da Adriana

O vinho branco seco, procurado insistentemente na tarde chuvosa desta quarta virou meio seco. A única opção da barraca.

Até fazer o garçom entender que seco é diferente de meio, foi dificil. Mas, após umas seis idas e vindas dele entre mesa e cozinha, com garrafas na mão, foi o jeito. Fazer o quê, depois da incansável procura nas diversas barracas da praia?

Faz parte do atendimento local. Preço alto no cardápio. Salário baixo dos funcionários. Mentalidade amadora dos empresários.

A constatação brochante de Adriana, como uma pergunta que não queria calar, veio após quatro meses em Fortaleza.

Como quem deixa tudo por amor, Adriana, socióloga de sucesso em Sampa, depois de duas férias e uma paixão fulminante por Fortal, se mandou de malas e cuias pra cá.

Loooooouuuuuuucura, dizia sua network paulista. Um monte de conhecidos que conseguiu fisgar na vida, em função de sua simpatia e competência. " Loucura é ficar nesta cidade fria e violenta, respondia na ponta da língua! Tchau. Fui! Tô me mandando pro paraíso!"

Adriana tinha vários amigos na cidade do sol, como Fortaleza é conhecida entre os turistas. Conquistados em função das inúmeras festas e badalações que lhes eram oferecidas, a cada verão. A conhecida hospitalidade cearense. Dos anúncios e matérias de jornais.

Se bem, que no último reveillon, no badalado e caro Beach Park, a emoção foi digna de um Salvador Dali. Em transe! Comida fria. Cerveja quente. Até o gelo tinha acabado! Isto há uma da manhã do primeiro dia do ano! O local da festa surrealista estava demarcado com uma cerca, feita de madeira usada, muito mal tapada e que impedia a visão do mar!

Os fogos da meia noite eram uma gravação...

Tá...Nem todo o amor é perfeito, pensou. Vamos focar nas coisas boas! Que clima maravilhoso! Se chove, logo vem o sol...

Chiiiii, tá certo que agora tá durando mais de uma semana, porque o inverno chegou mais cedo...É atípico, dizem os cearenses e agregados. Bom pra agricultura...

A umidade tá forte, mas não vai durar muito. Quando passar, termina a virose. Mas tem o mar límpido...

Ultimamente ele tá um pouco marrom, devido a invasão das algas. Isto ocorreu só neste ano, dizem... É algo raro...

Pensando bem, em que lugar você senta pra tomar um vinho olhando as ondas bem de pertinho, sabendo que em cinco minutos estará no trabalho?

Tá certo que o engarrafamento já começou a irritar os bem humorados nativos e inativos. A cidade inchou. Aumentou a disputa pelo centímetro quadrado...

Ah, pra que carro, pra quem mora perto! Que bom poder caminhar sentindo a brisa do mar!

Quer dizer... menos Adriana! - constatou.

Ela sabe que é muito difícil caminhar pelas ruas da cidade que escolheu pra morar. Buracos. Sujeira. Muriçócas e aedes em festival! Mau cheiro!

Pô, muda pro calçadão! É só não andar com bolsa e você fica livre do arrastão! - falou baixinho, como consolo.

"Ihhhhhhhhh, acho que tá na hora de levantar acampamento. Garçom, mais um vinho, por favor!"

"Perdão, moça só tínhamos esta garrafa. É que na baixa temporada a gente não faz pedido. Mas tem outro parecido..."

terça-feira, março 17, 2009

Rosas espinhosas...

Mulheres queimadas na fogueira e chamadas de bruxas por serem contestadoras do comportamento social e machista da época. Mulheres criticadas por trabalharem, " ao invés de servirem seus maridos", segundo palavras do papa. Mulheres sem direito a terem direito sobre seu próprio corpo. Mulheres que não chegam ao poder máximo da igreja, "porque precisam ter algo entre as orelhas", na opinião do arcebispo de Paris. Mulheres, cuja maior conquista do século foi a máquina de lavar, de acordo com o Vaticano... Pô... tô com uma forte desconfiança de que foi a igreja quem inventou o Dia Internacional das Mulheres! Pra nos "distrair" mais um pouquinho... Ufa! Ainda bem que passou! Mas nos deixou um belo presente de conscientização, este aí de baixo:
O Homem idiota - Marcelo Paiva, em seu blog, na Folha.
"Queria pedir desculpas às mulheres pelo idiota que picou uma, colocou os pedaços numa mala, foi preso, condenado, solto duas décadas depois e, em liberdade, picou outra. Riu para as câmaras e foi glamourizado.
Queria pedir perdão pelo promotor imbecil que matou a mulher grávida, pois acreditava que ela estava esperando um filho do amante, o que foi negado pelo exame do DNA pós-mortem. E está foragido, covarde.
Nos desculpem pelo jornalista e chefe infeliz, que depois de alavancar a carreira da garota jornalista e levar um fora, deu dois tiros à queima-roupa na recém contratada e ex-namorada. Sem contar o pai estúpido, que depois de bater na filha, decidiu cortar as redes de proteção, jogar o corpo pela janela e ainda forjar um assalto.
Também nos desculpem pelo cretino, que foi o primeiro homem na vida de uma adolescente do ABC, levou o pé na bunda e, inconformado, manteve ela e a melhor amiga reféns por cinco dias, até enfiar, numa sexta-feira chuvosa, uma bala na amiga e duas na garota que dizia amar, depois da polícia invadir.
Incluam o monstro que estuprou a enteada de 9 anos e o imbecil que prendeu a filha num porão por mais de duas décadas e com quem teve 7 filhos. Aqueles que cortam o clítoris das mulheres da aldeia, pra elas não sentirem prazer. Ou os que apedrejam em praça pública as ditas adúlteras. E os que obrigam as mulheres a se esconderem em burcas e a sair sem seus maridos.
Nos perdoem por aqueles que criminalizam o aborto.
Desculpem-nos pelo cretino que bateu na mulher com um extintor, jgou-a fora do carro, sequestrou a filha e um bimotor, sem nunca ter pilotado um avião de verdade até cair no estacionamento de um shopping, arriscando a levar mais gente com ele.
Perdão pelo ciúme doentio, pela incapacidade de aceitar a perda, pela covardia e narcisismo, por aqueles que não sabem ouvir "não". Pelo onipotente que acredita ser dono de alguém, pela inabilidade de alguns homens de enxergar a vontade da mulher, inclusive o desejo de partir e romper. Nem todos são como eles, idiotas!"

terça-feira, março 10, 2009

Direito canônico

O negócio é o seguinte: qualquer ato moral contra o ser humano morre por si mesmo. O papo não é pra igreja e seus beatos de carteirinhas. Estamos falando de bom senso. Coisa que nunca chegou na igreja. Nem em qualquer outro terreiro ideológico que gosta de unir ovelhinhas.

E dá-lhe bolinha de papel. Compradas de acordo com o dinheiro do freguês! E aja água da terra santa. Pra acalmar os pecados. Já ensinavam as conformadas santinhas canonizadas. Nada de analgésicos para os doentes. É a forma de pagar os pecados.

E ficamos assim. Se a criança morresse gestando duas crianças, foi vontade de deus. Mais tarde, para eles, o estuprador aceitaria Jesus e viraria um bom pai/avô/bisavô e quantas mais meninas viessem.

A criança é um caso perdido. Vivia recebendo o diabo em seu corpo. Tentando o padrasto. Como Eva, foi punida! Vidas foram salvas!

E assim caminha grande parte da humanidade. Míope.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

O cínico poder

O papo corria solto na mesa da barraca, bem próxima ao mar. Chamava a atenção dos demais banhistas, devido a forma como as pessoas discutiam suas idéias. Ou seja, um grupo de turistas paulistas. Aproveitavam o sol de brigadeiro da sexta-feira, depois de dois dias de chuva.
Por aqui, na alta temporada, se a água cair um dia inteiro sem parar, quem estiver em hotel, não paga a diária. Palavra da Secretaria de Turismo do Estado. Não sei se é o caso da turma falante. Até seria bom checar, pra ver se a coisa funciona direitinho. Não agora, claro, que a conversa toma rumo de gente grande...
O papa. Outra vez, as declarações atrapalhadas do papa. Como quem tá acostumado a falar pro rebanho cativo, ele quer agora a retratação de um colega seu de batina, que nega o holocausto. "Tô gostando de ver, este papa, ele tomou a atitude de líder mundial", disse entusiasmado um senhor de barba e boné branco, combinando com a bermuda. "E eu que pensei que ele não se metesse neste tipo de confusão", emendou uma senhora elegante e bonita, antes de se levantar pra ir ao banheiro. "Não sei não, pra mim seria mais coerente, este bispo ser expulso da igreja", falou um cara, tipo empresário quarentão, "tônemaípracrise"
Tudo muito bem, tudo muito bom. Assim como o grupo não percebeu - ou dependendo do grau de religiosidade de seus integrantes, jamais contestariam uma afirmação papal - pensei cá com meus botões e não consegui deixar de dar um palpite quase que resmungando: ainda que mal "pregunte", não seria o caso do papa acenar com a suspensão da excomunhão, ao dito e nobilíssimo colega? Não foi ele, que poucos dias antes havia reintegrado o tal bispo à igreja católica, já que estava excomungado?
"Realmente, história pra inglês ver", observou a amiga que dividia comigo uma ceva gelada, no belo final de tarde de verão.
História que a chefe do governo alemão, Ângela Merkel, não engoliu, ao pedir que o papa fosse mais claro nas manifestações. Como, por exemplo, aproveitar a oportunidade e reforçar com provas evidentes a existência do nazismo e o massacre de judeus nos campos de concentrações.
Não é só um bispo que fala besteira por aí. Por incrível que pareça, há muita gente que se diz inteligente e intelectual que faz coro a ignorante afirmativa. Eu, por exemplo, nas minhas andanças de repórter, me deparei com um número expressivo de seres humanos que não acreditam - oooh raaaça! - no holocausto!
Fazer o quê? Fazeroque, se também tem um imenso contingente de pseudosditadores (grande parte, defensores da democracia...) espalhados pelo mundo, como o próprio papa e alguns dirigentes de Israel, que, ao invés de contraditarem, abusam do poder para limitar o direito de expressão ou idéias, de um cidadão. Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las, já alertava Voltaire, há milhares de anos. Lição, que muita gente vive esquecendo.
"A verdade é que o papa tem sempre razão", falou... falou não, praticamente gritou a senhora ruiva, pra não dizer loira, chiii, da mesa da frente. A expressão de seu rosto era a de quem acreditava, piamente, estar purificando a sua e a alma de todos os demais servos em férias...
Senha do correr pro mar!

terça-feira, janeiro 27, 2009

O sistema burrocrata do Denatran

As leis são feitas pra proteger e simplificar a vida das pessoas. Pelo menos assim pensava o pacato cidadão cearense Hermenegildo Rocha, garçom de uma barraca da praia, há quase oito anos, aqui na Praia do Futuro. Gente boa. Trabalhador honesto. Daqueles que seguem a vida cumprindo com o seu dever, sem qualquer deslizezinho. Tanto moral quanto profissional. Prooooonto... parecido com o personagem do jornalista Élio Gaspari, "Eremildo, o Idiota". Aquele ser puro, que acredita em tudo que os políticos falam. A real linhagem dos "ildos" brasileiros.
Pois bem, Hermenegildo, que tirou a carteira de motorista com 18 anos, pra trabalhar como motorista de caminhão- aos 58 , está impedido de dirigir. Pela atual legislação de trânsito, o documento é considerado muito antigo. Apesar de renovado a cada cinco anos. Até o ano 2001. Nesta data, Hermenegildo ficou desempregado e não tinha os quase 40 reais, pra fazer a renovação. Vendeu o fusquinha 63, que até tava manimenis, por preço de banana. A grana foi usada na alimentação da família. Mulher e três crianças.
Há mais de dois meses, ele recebeu uma proposta pra substituir o seu cunhado, motorista de táxi. Salário duas vezes maior do que o que ganha. O mínimo. Pra obter a permissão pra dirigir, Hermenegildo, parente de Eremildo, o Idiota, precisava fazer tudo de novo. Ou seja, todo o processo exigido pra quem vai receber a primeira habilitação. E claro, obrigatoriedade de cursar uma auto-escola, que agora virou Centro de Condutores. E claro, pagar. A mais barata, 630 reais à vista. Se não rodar em nenhuma das etapas. Ah, pode ser a prestação...
Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, diminuiu o leite, o café, o feijão, o macarrão, o frango, os programas de tv, os banhos... tudo pras despesas da casa baixarem um pouco mais. Conseguiu 100 reais de empréstimo com o patrão e deu a entrada pro tal CFC, o Curso de Formação de Condutores.
Exame de vista. Médico. Psicológico. De legislação... Mais 15 reais pro manual. "Vai faltar pro ônibus, mais é só dar uma olhadinha nos sinais e tiro de arrudeio", pensara... "Não?"
Não. Tem que fazer antes o curso. Integral. Regime de colégio exigente. Sem uma falta sequer. Cinco dias. Seis horas por dia. Quinze minutos de intervalo. Fora disso, pedir pra fazer xixi, leva bronca do instrutor. Pra ninguém sair antes de terminar a aula, é feito o registro da digital, três vezes, através do computador, on-line com o Detran. E dê-lhe dedinho. Antes de iniciar. No recreio. No final da aula.
Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, não perde o bom humor. "Jovem de 18 anos, não sente nada. Senhor sente tudo. Terminava a aula igual ao condor... De tanto ficar parado e encolhido na classe. " E a sensação de ter perdido horas de seu horário de descanso. Isto ele não disse. Também, não precisa!
Nove. Foi a nota de Hermenegildo, o parente do Eremildo, o Idiota, que não aprendeu nada de novo. Isto ele também não disse. A gente sabe. Primeiros socorros, ele tinha até a prática. Direção defensiva sempre foi a sua conduta. A média é sete. Abaixo disso, outro exame.
Nova etapa, aulas práticas. Mínimo de 15. Com duração de 50 minutos. "Não tem como pular esta parte? Dirijo mais da metade da minha vida..."
Biometria. De novo a resposta burocrática para o registro do dedão. Na entrada e na saída. Como Hermenegildo, parente de Eremildo, o Idiota, é cidadão que não contesta regras, lá se foi pras aulinhas de direção. Às vezes a pé, pra economizar o dindin do ônibus.
Primeiro dia, foi apresentado ao painel do carro, ao marcador da quilometragem, do óleo. Ao painel da temperatura. Da gasolina. Os piscas. Os sinais. As sinaleiras. A marcha de mudança. O freio de pé. O freio de mão. A embreagem... Não disse muito prazer, porque seu pensamento estava na maneira de encontrar um jeito de como conseguir grana pra pagar a luz de casa. Depois passeou. Passeooooooou pela cidade fervendo de calor.
No segundo dia fez a baliza. Entrou na garagem e saiu. De ré. De frente. Parou na descida de uma rua, pra puxar e soltar o freio de mão. "Sem deixar ir pra trás, heim" - alertara o instrutor. Tudo rapidinho, como era de se esperar. Então... passeou. Paaasseooooooou pela cidade fervendo, até completar o horário.
No terceiro dia, repetiu tudo e... paaasseooooou. Passeooooou. Passeooooooou, pela cidade fervendo de calor.
No quarto, andou por trânsito mais movimentado e... paaaasseoooou, paaasseooooou. Paasseoooooooooooou, pela cidade ensolarada. Fervendo de calor.
No quinto, conseguiu apenas fazer o registro do dedão no início, do que seria mais uma aula e após as três horas, a impressão digital finalizadora. Pronto estava concluído o processo de habilitação! Não, ainda faltava pagar 3 reais e 5 centavos, taxa que o Detran cobra da auto-escola para cada aluno que utiliza-se do sistema biométrico, ou seja, a marca do dedão! Isto na mais "democráticaespontâneapressão", já que é obrigatório... Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, não sabia deste extra. Pagou com o dinheiro do ônibus. E foi a pé pra casa.
Ufa, no dia do exame, dois após a conclusão do curso, Hermenegildo é óbvio, reviveu um passado distante, quando tirou sua primeira habilitação. Tremia feito vara verde, igual aos seus atuais 400 colegas candidatos que aguardavam a sua vez, no pátio do Detran. Nos tempos atuais, sem qualquer emoção, se achava ridículo.
Mais ridículo se achou, quando ao sair da baliza, o último obstáculo da prova, ouviu a cara autoritária e soberba da instrutora do Detran gritando: você tá reprovado! Encostou a roda na calçada!!!!
"E não pode? Então tá, eu estaciono de novo. Tenho ainda mais de 3 min................" Não! O senhor tá reprovaaaaaaaaaaado! Regras são regras!
Ao olhar o candidato da frente, que suava em bicas pra colocar o carro no buraco destinado ao estacionamento, Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, pensou rapidamente. Parar o trânsito atrás, devido a manobra em fila dupla pode.

Tóin, tóin,toin, tóin...Um barulho forte e uma sirene estridente fizeram Hermenegildo, o parente de Eremildo, o Idiota, voltar à realidade: o instrutor acabara de bater o carro na carcaça do pára-choque da frente, usado pra formar a baliza. "Queria engatar a primeira e engatei a ré! Acontece, né", disse desconsolado.
"É... ele estaria reprovado!" - completou a instrutora, mais vexaminada.
Hermenegildo, o parente do Eremildo, o Idiota, não sabia se ria ou chorava, diante da patética cena. Não tinha jeito, o negócio é enfrentar o novo "antigo" processo de correr atrás da grana. E do tempo. Outro exame, após 15 dias. Taxas e mais o mínimo de três aulas, 210 reais. No caminho de volta pra casa, ele sentiu as lágrimas escorrerem por um bom tempo do trajeto.
Só depois de um mês e 26 dias, Hermenegildo, o parente de Eremildo, o Idiota, conseguiu iniciar as aulas. Tempo que levou pra juntar os 100 reais, necessários pra dar início ao processo: 53 reais, a taxa obrigatória para o Detran, mais 47 reais, a primeira parcela de três, pra auto-escola.
Hermenegildo, o parente de Eremildo, o Idiota, conseguiu, finalmente a sua segunda carteira de motorista, após um longo e tenebroso processo. Exatos cinco meses e 22 dias e 870 reais mais pobre.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Futuro Beach Paula...

Ela chegou logo após o ano novo. Da California. Pra Praia do Futuro. Com conexão no Rio. Ela e seus cabelos loiros desalinhados. Cara lavada. Pele de neve. Bermudas de aventura. Atentos olhos azuis. A gringa incorporada de brasoca!

Veio ver de perto o que lia no blogue. Desde o primeiro texto. A praia e seus pesonagens. Com o auxílio de dicionários e amigos brasileiros, moradores em sua cidade americana. "As gírias é que me derrubam", confessou no seu português arrastado e bem evoluído.

Papo pra lá. Papo cheio de expectativas pra cá. O coração tomado de referencial apaixonado da semana das noites e manhãs cariocas. Do acolhimento familiar de amigos-irmãos. Batidas mais do que perfeitas! Fortaleza teria chance?

"E o velho Buck?- me perguntou ela, de relance, bebendo alegre a sua cervejinha, na mesa de uma das barracas da praia, ao som da bossa de Jobim. Gostei muito dele. Ele ainda tá por aqui? E a cearense italiana... de silicone no bumbum? Adorei a menina batalhadora que alugava raquetes...

Na última sexta-feira, dia em que Paula se despedia de Fortal, quando nos encontramos, novamente, esqueci de lhe perguntar se havia cruzado com os já tão íntimos personagens conhecidos da minha-praia.

O que importa é que ela estava feliz! Descontraída. Bronzeada. Roupas coloridas. Livre. Leve. Solta. Uma verdadeira moradora da praia. Prometendo voltar pra ficar! Desfecho mais que perfeito!

Paulinha, nova personagem da praia! E muitas histórias pra contar!