segunda-feira, outubro 12, 2009

Importante é ver com o coração


O dia amanheceu frio e nublado, neste feriado. Cinza e triste. Só não digo a cara de São Paulo, porque o barulho de businas e motores deu uma trégua, na sempre movimentada e frenética avenida Guilherme Dumont.

Então de longe, eu a percebi.

Ela vinha caminhando na direção oposta à minha. Bengala colorida. Lenço de seda na cabeça, recoberto por um chapéu vermelho. Écharpe florida no pescoço. Sombra verde, combinando com os olhos expressivos, apesar da idade secular. Base no rosto envelhecido, de quem já viveu muitos séculos. Uma figura, realmente, muito estranha.

"Como se desenha um unicórnio? - me perguntou de sopetão, no exato momento em que nos cruzamos, num português enrolado.

Instintivamente peguei o papel e o lápis que ela me oferecia. Ia começar pelo chifre. Pensei no Saint-Exupéry e parti pra imaginação: fiz uma caixa e disse que o unicórnio estava dentro dela. Ao invés de me xingar, ou fazer cara feia, ela abriu um sorriso tão largo, que mudei o rumo do caminho, pra acompanhá-la. Devagarinho. No seu passo.

"Você também veio do céu" - me disse quase murmurando no ouvido.

"Vim", falei inconsequente, querendo saber até onde ia a historinha.

Depois de um longo papo, descobri que ela vinha de outro planeta. Era um lugar muito parecido com a terra: o asteróide B 612. Mas com bem menos habitantes. Cerca de 10 mil. Por ser muito pequeno.Todos descendentes de um príncipe e uma vaidosa rosa. A única que não murchava no planeta e ganhou o amor do principezinho, contou.

"A flor era tudo pra ele. Mas era mentirosa e isso o magoava muito". Decepcionado, resolveu viajar. Então caiu no deserto, após ter pego carona com um bando de pássaros.

Triste e confuso - continuou - o Pequeno Príncipe andava pela Terra, quando deu de cara com uma raposa. Foi ela quem ensinou a ele os segredos mais importantes da vida, como cultivar as amizades e aprender a amar. Ficou quase um ano por aqui. E voltou pra sua rosa, por descobrir que ela era única, no meio de tantas.

Perguntei se ela era a única daquele planeta que estava entre nós. Ela me respondeu que a quantidade dependia da cabeça das pessoas. "A grande maioria não consegue enxergar um ser diferente".

Dito isso, ficou sonolenta e desapareceu como que por encanto!

Pensei: o essencial é invisível para os olhos. O importante é ver com o coração...

E continuei meu caminho, sentindo o calor do sol, curtindo as flores e ouvindo o canto dos pássaros, apesar do tempo nublado e da avenida, nesta altura das horas, congestionada de carros.