terça-feira, novembro 18, 2008

O velho Buk

O velho Buck. Talvez sem o K. Talvez sem o C. De qualquer forma, as duas letras não alteram o sentido. Também, não se sabe se ele teria adotado o nome na assinatura. Ninguém viu ele assinar algum documento, até hoje. Dizem que comprou a barraca de praia, na qual também mora, desde os anos 80, com dinheiro vivo. Cruzado, a moeda da época. E dólar. Todo mundo o chama de Buk e pronto! Ou melhor, o velho Buk.

O batismo do velho Buk, em Fortal, aconteceu quando ele aportou aqui na praia. E em grand- avant-premiere: afogado e desacordado. Não se sabe se da água do mar. Ou da pinga cearense. Sem documento, alguém arriscou um nome, Papai-Noel. Era parecido. Grande barba branca, barrigona e a cara vermelha. Não fosse a identificação mais apropriada, achada na areia, alguns metros à frente, dobrada quase em milìmetros, envolta em papel plástico, dentro de uma caderneta preta. Um texto escrito numa velha máquina remington:

"Como qualquer um pode lhe dizer, não sou um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me definir. Sempre admirei o vilão, o fora-da-lei, o filho-da-puta. Não gosto dos garotos bem barbeados, com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões. Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens borradas. Estou mais interessado em pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado pela sociedade".

Identificado, por algum intelectual, que formava a rodinha dos curiosos, a declaração de princípios tinha um autor, o escritor norte americano Charles Bukowski, registrada no seu mais famoso livro, Ao Sul de Lugar Nenhum, editado em 1973. Na época, teve gente que até achou tratar-se do próprio. Por pouco, não saiu a notícia no jornal O Povo. Melhor achar que é a dita reencarnação. Versão australiana. Origem confirmada, pelo próprio, dias depois.

O certo é que o velho Buk continua fiel aos seu padrinhos. E a seu ego. Ou alter. Quase sempre sozinho. Às vezes dorme dias, pra curar o porre. Sob o bailado de algum urubú. Às vezes dá uma de garçom, na barraca cantando "amanhã de manhã, vou pedir o café pra nos dois...", sua música preferida. Nestes dias de maré mansa, conta até piada, aproveitando expandir o seu repertório interminável de palavrões.

Ultimamente seu olhar anda nublado. Muitas vezes é visto chorando baixinho, sentado na beira do mar.