quinta-feira, janeiro 10, 2008

Aconteceu no Lami, mais ou menos nos anos 80...


O lugar era lindo. Cheio de verde por todos os lados. De várias tonalidades. Tão vivos e frescos, que dava uma moleza no corpo só de ver a paisagem... Quase como olhar o mar. A diferença é a luz. No mar, há também um mistério. Mas as águas, mesmo calmas, transmitem uma incontida alegria. Aquela sensação de voar. De liberdade! Já a mata instiga. Parece guardar um imenso segredo. Ao mesmo tempo que chama pra dentro dela. Como nos desafiando. Como um enfrentamento de nossos próprios medos e fantasmas.


O sítio de Clarice ficava num lugar um pouco adiante do Lami, um balneário de Porto Alegre. A casa mais próxima se distanciava cerca de 5 quilômetros . Construída em alvenaria, no estilo colonial. Pintada de amarela, acho que ainda a cor original. Mas precisava de reparos. A água era de poço! Que beleza. Saly e Lisa resolveram não se abastecer com garrafas de minerais, por isso mesmo, pra sentir o gostinho de aventura. Não tinha luz elétrica. Perfeito! "Tem vários lampiões, espalhados entre a sala e os quartos", havia avisado, Clarice. "Só não sei como está o aspecto geral. A grama, com certeza, deve estar tomando conta da casa". Faz mais de oito meses que não vou por lá", ressaltou.


Cegaram à tarde. Apesar de próximo à Porto Alegre, o trajeto demorou quase duas horas e meia. O mapa feito por Clarice até que estava direitinho. Mas as duas tiveram que recorrer à algumas informações, após a entrada no balneário. Contando com a parada esporádica no boteco de frente ao rio, pra abastecer gargantas sedentas de final de semana.


A rua era uma estradinha de terra. A casa ficava quase no meio do amplo terreno, coberto não..., tomado de mato. Por isto, foi difícil abrir o grande portão de madeira, típico de sítio. A casa era simples e simpática. Mas tinha algo de sombrio, ou alguma coisa neste sentido, que não dava pra definir direito. Apesar do sol forte de início do verão. Silêncio de gente. E um barulho imenso de folhas secas. Tanto nas árvores, quanto no chão. Bem diferente do som enlouquecido de um estúdio de televisão, rotina profissional de Saly e das salas de audiovisuais, que acompanhavam o dia a dia de Lisa, com a produção de eventos. "Tudo o que a gente vinha sonhando há dias...", lembrou Saly.

"Chiii, esquecemos de comprar gelo", Lisa deu o alarme, ao retirar o uísque e os tira gostos do carro. "Acho que deve ter naquele posto lá de baixo. Senão tiver, peço umas pedrinhas pro vizinho mais próximo, isto é, que tenha eletricidade", respondeu uma entusiasmada Saly. Mesmo após várias tentativas de ligar o carro, que teimosamente insistia em não dar partida. Empurrar nada. "Vou explorar o território a pé", gritou satisfeita.


E bota sorte, no meu caminho, saudou! Nem 300 metros adiante, ela encontra um menino, com cerca de 4 anos, "lindo e tímido", que parecia perdido! Só parecia... Você é daqui? Ele fez o sinal de positivo com a cabeça. Como consigo gelo? Ele apontou a sua casa, bem simples, de madeira bruta, quase encoberta por uma trilha de hortências brancas, misturadas com rosas amarelas e vermelhas. Quando Saly se aproximou da casa, parecia não ter ninguém, apesar de totalmente aberta. "Tu moras com a tua mãe? Onde ela tá? Ela saiu e o teu pai?" O garoto não falava. Mas confirmava tudo com a cabeça.

Encima da mesa da cozinha, havia uma caixa de isopor, com quatro pratos e quatro colheres sobre a tampa. Saly a abriu, pegou três pedras medianas de gelo, que já estavam separadas de duas barras grandes e colocou no saco plástico que havia levado. "Depois eu trago mais barras". Em seguida, olhando pro garoto, perguntou: tu não queres ir andando comigo, até aquela casa? Sem dizer nada, ele a acompanhou.

Sentaram - Saly e o menino - na escadinha de três degraus, na frente da casa de Clarice. E papearam... quer dizer, Saly falava e ele respondia com gestos e expressões faciais. "Peraí, que eu vou pegar um uísque e colocar este gelo lá dentro, tá legal?"

"Cadê o menino que tava aqui?"- perguntou Saly, à uma incrédula Lisa, que não entendeu bulufas, ao ver Saly retornar da cozinha. O menino, lourinho... de olhinhos azuis... Como?... Eu fiquei mais de meia hora conversando com ele...?

"Por falar nisso, Saly, onde tá o gelo que tu irias buscar?"

(esta história continua em breve ou em algum tempo, neste mesmo bat local)...