segunda-feira, julho 11, 2011

Coisas que as pessoas deixam pelo caminho...

Não dava pra não ver. Eram muitos. Vários pedacinhos de fotos recortadas, espalhadas pela calçada da avenida Ibirapuera, que se misturavam entre carros e pessoas, na preguiçosa manhã desta segunda-feira.

Dia friiiiio, pra rachar, pele, ossos, corações e o escambau que resta do corpo teimoso de quem vive em São Paulo. O som alto de Winehouse no mp3 de Marga estava animadão. Ela seguiu metros adiante, mas a imagem dos olhos escuros e tranquilos, salientes no recorte maior da destruição fotográfica, não saia da sua mente.



Não resistiu. Retornou o rumo da corrida e começou a juntar nariz, faces, sobrancelhas, cabelos, olhos. Pra quê? Nem ela sabia...



"Foi hoje, bem cedinho, moça", informou o homem coberto com três cobertores rasgados e uma botina empoeirada, tipo pm. É o Tom. Quer dizer, Tom na cabeça de Marga, que nunca perguntou seu nome de verdade. E nem sequer trocou qualquer papo com ele. Suas interações se resumiam nos positivos dos polegares, todas as manhãs.


Dono absoluto do pedaço, cruzamento com outras avenidas, escoamento pra várias regiões da cidade, Tom apelidado assim, devido a semelhança com o compositor Tom Zé, parece sobreviver dos trocados recebidos pelos motoristas. Apesar de tudo, é um cara alegre.



"Foi um carrão dum bacana, com um som a todo o volume, que espalhou as fotos rasgadas. Vai ver, foi traído pela gata", disse Tom, com um sorriso irônico de bom entendedor do assunto. "Mas, moça, me desculpe a intromissão... tu conhece a dona"?


"...A-a-acccho que sim... Pelo olho... acho que sim". Marga tentou juntar três pedacinhos. Mas ainda insuficientes pra qualquer definição.



"Não tá ruim não, agora mesmo eu cato o resto, pela avenida. É só me dar unzinho pro pão e o leitinho das crianças... A minha do quentinho, eu já botei pra dentro..."


"Não, não, nada disso! Afinal, pra quê, né?"



É, pra quê, concordou ele. "Não passam de papel. Dureza é a rua, moça!"


Marga olhou os olhos dele, pela primeira vez, desde as passagens diárias por aquele cruzamento, jogou o restante das fotos ao vento e voltou ao seu rumo. Afinal, o mundo é bem maior do que as coisas que as pessoas deixam pelo caminho.