terça-feira, novembro 25, 2008

Operação abafa

Jornalista é um ser normal. Apesar de muitos creditarem o contrário. É claro. Há os puros e malandros. Como em toda a profissão. Ganhamos simpatia e antipatia. Principalmente das figuras públicas, que são nossa principal fonte e motivação.
Pra nós, não importa a referência social, física, o tipo de entrevistado. Tanto faz se pobre ou rico. Gordo ou magro. Celebridade ou não. Como impõe a "livre opção" da carreira, vivemos democraticamente.
Mesmo pobretões, nos acostumamos a frequentar ambientes luxuosos. Aprendemos, por força da rotina de trabalho, a conviver com mesas de quinhentos talheres, sem cometer qualquer gafe. Almoçamos caviar, quando mal temos grana pra comer uma quentinha, no dia seguinte.
Faz parte do cotidiano. A escala de matérias.
O inverso também acontece. Nascemos em berço de ouro. Cercados numa redoma. E mal saindo da faculdade, encaramos a miséria nua e crua das ruas. Das favelas. Da violência diária pela sobrevivência. Nos acostumamos a ver que o que importa não é a roupa de grife. A pirataria. O presidente de um país. O maior jogador do mundo. O marginal. O traficante. Mas sim, o ser humano, alvo do nosso diálogo. Os fatos deles gerados. E contra fatos, não há argumentos, reza uma de nossas muitas cartilhas.
Vivemos nos extremos. Porque desta forma é que a notícia rende. É a manchete que almejamos. Que nos dá identidade ao mundo. Nos sentimos como guardiões da verdade. Salvadores da moralidade pública. Poderosos.
Criamos intimidade com ambientes que não são nossos. Às vezes, endurecemos. Nos revoltamos contra a vida. Modificamos nossos valores. Esquecemos da nossa ética.
A lembrança do ser jornalista, me veio neste fim de semana, após um papo com um colega da mídia brasiliense de longa data. Figura ativa na cobertura do momento, a operação Satiagraha, que investiga crimes financeiros do banqueiro Daniel Dantas. Prato cheio, pra um romance policial. A questão central, a suposta rede de corrupção que protegia o banqueiro nas atividades criminosas de que é acusado. Aí, que a vaca torce o rabo.
E dê-lhe confusão na opinião pública. E dê-lhe fontes má intencionadas pra embaralhar mais a rede de intrigas. Ligeirinho, muda-se o foco. Delegado titular é retirado do processo devido a um surto paranóico, por ter abusado da utilização do grampo telefônico. Se não fosse o grampo, não haveria o escândalo.
Em contrapartida, policiais federais declaram que o crime organizado está infiltrado em algumas instituições republicanas, de grandes poderes. O que envolve suspeitas sobre parlamentares, juízes e imprensa. Segundo inquérito de um delegado responsável pelo caso, documentos apreendidos durante a investigação confirma a existência de um "fundo" de 18 milhões de reais para o pagamento de propinas, incluindo jornalistas e empresários de comunicação.
Sinopse dos próximos capítulos : a tal da lista... sobreviverá? Ou terá o mesmo desfecho do dossiê dos aloprados... Assim batizado, pelo óbvio. Um bando de idiotas, diante da vitória iminente de Lula, espalhou à imprensa fotos de dinheiro que seria usado pra comprar um dossiê contra Alkmim, então candidato à presidência e cuja origem nunca foi revelada. Nem pelos próprios denunciantes!
No meio "jornalero", sabe-se que Dantas, desde que comandou o projeto de privatizações das telecomunicações, com ampla soberba, há mais de 10 anos, fez grandes admiradores na imprensa. Apesar de sempre envolvido em suspeitas de negócios pouco claros.
Os olhos, ou melhor, a leitura atenta fará a diferença neste episódio. Mesmo que o último não consiga apagar a luz! Ou, ficar na praia...

terça-feira, novembro 18, 2008

O velho Buk

O velho Buck. Talvez sem o K. Talvez sem o C. De qualquer forma, as duas letras não alteram o sentido. Também, não se sabe se ele teria adotado o nome na assinatura. Ninguém viu ele assinar algum documento, até hoje. Dizem que comprou a barraca de praia, na qual também mora, desde os anos 80, com dinheiro vivo. Cruzado, a moeda da época. E dólar. Todo mundo o chama de Buk e pronto! Ou melhor, o velho Buk.

O batismo do velho Buk, em Fortal, aconteceu quando ele aportou aqui na praia. E em grand- avant-premiere: afogado e desacordado. Não se sabe se da água do mar. Ou da pinga cearense. Sem documento, alguém arriscou um nome, Papai-Noel. Era parecido. Grande barba branca, barrigona e a cara vermelha. Não fosse a identificação mais apropriada, achada na areia, alguns metros à frente, dobrada quase em milìmetros, envolta em papel plástico, dentro de uma caderneta preta. Um texto escrito numa velha máquina remington:

"Como qualquer um pode lhe dizer, não sou um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me definir. Sempre admirei o vilão, o fora-da-lei, o filho-da-puta. Não gosto dos garotos bem barbeados, com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões. Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens borradas. Estou mais interessado em pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado pela sociedade".

Identificado, por algum intelectual, que formava a rodinha dos curiosos, a declaração de princípios tinha um autor, o escritor norte americano Charles Bukowski, registrada no seu mais famoso livro, Ao Sul de Lugar Nenhum, editado em 1973. Na época, teve gente que até achou tratar-se do próprio. Por pouco, não saiu a notícia no jornal O Povo. Melhor achar que é a dita reencarnação. Versão australiana. Origem confirmada, pelo próprio, dias depois.

O certo é que o velho Buk continua fiel aos seu padrinhos. E a seu ego. Ou alter. Quase sempre sozinho. Às vezes dorme dias, pra curar o porre. Sob o bailado de algum urubú. Às vezes dá uma de garçom, na barraca cantando "amanhã de manhã, vou pedir o café pra nos dois...", sua música preferida. Nestes dias de maré mansa, conta até piada, aproveitando expandir o seu repertório interminável de palavrões.

Ultimamente seu olhar anda nublado. Muitas vezes é visto chorando baixinho, sentado na beira do mar.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Lições na praia!

-Nem tão... Sabe que, apesar da tal crise que os barões vivem falando, por aqui ela não deu o ar de sua graça, ou desgraça, filha!

A resposta um tanto inusitada da vendedora de biquini justificou a sua disposição de todo dia andar quilômetros e quilômetros pela praia cantando Joelma e Martinho da Vila. Apesar do peso de sua sacolona e da baixa temporada.

-Puxa, mas é estranho, pra todos os vendedores que eu fiz esta pergunta hoje, todos reclamaram da falta de freguesia... Pronto, teve um que me vendeu há pouco, esta bicicletinha de, acho que feita de junco, mas bem acabadinha, pra colocar vasos de flores, em jardins, por 15 realzinho. E mais uma coca-cola! O preço mesmo era R$ 70. E se eu insistisse, ficaria por menos...

-Ah, filha - posso sentar aqui? - ( e já sentando...) tem gente que faz tudo errado, já "nasceram" brigado com a vida, como aquele tal do gringo mandão (?)... e só sabem reclamar. Se as coisas tão ruim, não adianta chorar e ficar reclamando. Lágrima paga comida? Lágrima paga conta? Paga nada! Nem cachaça... Eu tenho um cabra velho encostado lá em casa... depois que ele foi enganado pelo patrão, trabaiando duro no roçado por anos e anos, foi mandado embora como um cão viralata. Pegou uma tal de "depre... nsão", aí, essa doença de rico...! Agora só quer beber... E quem paga as pingaiarada toda? Tá filha, não vou ficar amolando com meus probema, mas é uma coisa que eu queria dizer pra tu, ainda bem que eu tenho esses biquini e essas canga pra vender! Faz quatro anos que faço isso e nunca fiquei um dia sem vender unzinho sequer... Por quê? Porque mesmo com o coração doído eu não fico chorando as miséria... Se não me derem o preço que vale, eu baixo, as vezes fico até sem o lucro. Vendo pelo preço que comprei, quando um dia tá ruim... Só pra não dizer que passei em branco. Como este aqui, ó, que comprei por sete e sai por vinte. Agora pouco, uma madama pagou R$ 30 real e nem chiou... Tem que saber vender. O dia que tiver negativo pra essas roupa, eu vendo lenço, até de papel! Então tá, bom dia, filha. Boa praia!

-Brigada. Boa sorte! Vá pela sombra...

Ainda com o "é devagar, é devagar, é devagar, é devagar, devagarinho", como trilha sonora da brilhante lição sócio-econômica-popular, fiquei pensando naquela batida frase das aulas iniciais dos cursos de marketing, como opção de crises financeiras: alguns choram e outros vendem lenços!

Simples assim. Não é preciso estudar tanta teoria, pra saber que a prática mais certeira vem de onde aperta o bolso. Ou o coração...