sexta-feira, junho 20, 2008

Lixo da Praia

Ednilton. Ou Edilton. Ninguém sabe ao certo o nome dele. Que importa?
Pé de cana. Ou sofredor. Pelo menos, era assim que muita gente o chamava, logo que apareceu na praia.
E pelo óbvio. Pé de cana, porque vivia com uma garrafa de cachaça na mão. Sofredor, porque estava sempre com a surrada camisa do Flamengo no corpo, que já parecia fazer parte de sua pele. - É por isto que eu bebo, dizem que o mengo só apanha... - dizia ele, nos raros momentos de sobriedade, mostrando seu senso de humor.
Na verdade, o time que ele gostava mesmo, era o Corínthians. -Uso esta camisa, porque foi a que me deram... - dizia.
Ednilton, ou Edilton, morava na praia há mais ou menos uns 10 anos, segundo os mais antigos moradores da Praia do Futuro.
No início, dormia na areia. Muitas vezes, era acordado por um PM, quando o sol já estava alto e logo retirado de cena, através de uma viatura.
No outro dia, lá estava ele, no mesmo local. A polícia desistiu e os frequentadores da praia também. Ninguém mais reclamou dele. Também não ganhava mais comida.
O negão forte de antigamente tava só carne e osso. Fedendo a pinga.
Nos últimos tempos, descobriu uma barraca abandonada e fez sua morada.
Sua cama era uma caixa de papelão desmanchada. Que ele dividia com um viralata. Assim como um pedaço de pão carioquinha, resultado dos trocados que ele recebia de algum motorista pra cuidar do carro, antes de ser expulso da área, por outros guardadores.
Um dia, ele acordou com barulho de pedra e sacos de cimentos sendo descarregados. A barraca ia ser reconstruída.
Pegou seus trapos e os levou pra parede, no lado externo. Bem à vista das pessoas que passavam pra entrar na praia. Elas mudaram de percurso.
No mês passado, logo no início da manhã, Pé de cana acordou com uma forte dor no estômago. Tonto e cambaleando foi direto pro mar. Ouviu ainda, as gargalhadas e gozações de um grupo de jovens, que caminhavam pela praia. Se debateu com as ondas, por várias horas, até sentir um alívio.
De repente, a escuridão.
Depois de vários dias de chuva, o céu azul e o sol forte fizeram a praia voltar à sua rotina de eterno verão.
Na barraca, recém inaugurada, o funcionário varre a areia misturada com papelão, conchinhas quebradas e pedaços de ossos. - Foram deixados pelo cachorro viralata que dorme neste lugar - pensou ele.
Numa lata, dentro de um saquinho plástico, ele achou uma carteira de trabalho totalmente rasurada, em nome de ... ?... Ednilton? Ou Edilton? Que importa?
Colocou no lixo.