terça-feira, julho 07, 2009

Veronika voltou pra casa

(Ilustração da Revista Piauí, para seu concurso de contos da Flip 2009).
A chuva torrencial, que ameaçava cair no início da manhã, não foi suficiente pra mudar os planos de Veronika. O dia chegara. Tinha que ser hoje. Justamente o aniversário de Paulo. Nada iria interromper o seu caminho. O trabalho. A academia. O blog, o orkut, o facebook, o hi5, que esperassem.
Há semanas que ela pensava esquecer do tempo, pra se entregar de corpo e alma a grande obsessão de sua existência. Hoje não iria se vestir como de costume. Ao invés do clássico terninho, um vestido branco, de decote sensual, que ela havia comprado de véspera para a ocasião especial.
Ressaltaria ainda mais, com o vermelho exuberante das unhas e lábios da mesma cor. Os olhos ela daria o efeito especial , tipo caminho das índias, carregando no delineador preto. As sobrancelhas já eram naturalmente delineadas. A tal da maquilagem definitiva. Que lhe amargaram seis horas de salão, com a cabeça esticada, em um certo lugar do passado...Tão presente. Faltaram as argolas imensas, iguais aquelas em que havia perdido na última noite que saíra vestida pra matar.
Sem problemas. Afinal, os brinquinhos roxos, que não tirava nem pra dormir, colocados em suas orelhas pelas mão nervosas de Paulo, no último encontro, produziriam um bom efeito. Se não estético, com certeza, muito emocional.
O lago que se formara na frente do tradicional edifício Orléans e Bragança, na Giovanni Gronchi, dava pra imaginar o tempo de chuva torrencial que caia por São Paulo, naquela fria sexta-feira de outono. O que fez Veronika entender o motivo de não ter chamado a atenção dos porteiros, ainda que tivesse se coberto com o discreto casacão de couro preto, com cheiro de mofo, achado em seu armário.
Achou estranha a reação do motorista de táxi, quando ela entrou no carro. Um misto de apreensão e surpresa. “Maquilagem demais”, imaginou. Abriu a Piauí, a revista maior, em exposição no banco traseiro e começou a folhear. A mensagem foi certeira. Evitou a conversa, até o edifício de Paulo, em Perdizes.
A fechadura da porta do ap 66, no sexto andar, parecia ter sido trocada. Parecia, porque a chave ainda era a mesma, vibrou Veronika. O relógio da cozinha marcava 15 minutos pro meio dia. Nas sextas, ele passava em casa, pouco antes das três, pra trocar de carro, em função do rodízio das placas. Aproveitava e mudava de roupa. Conforme o programa da noite. Veronika adiantou o relógio pras 6 e 22. E tirou a pilha. Justamente a hora em que se reuniram, pela última vez.
Entre um cigarro e outro , Veronika montava o cenário do grande encontro. Não havia muito a fazer. Trocou apenas alguns objetos do lugar, que a incomodavam. Como um quadro que ela havia dado de presente a Paulo, no seu aniversário de 40 anos. Nem viu o tempo passar.
O horário ou o dia que Paulo chegou no seu apartamento, não importa agora, que o desfecho está próximo. Também não mudou em nada a surpresa que Veronika havia preparado. O registro dos ponteiros, o quadro dela jogado ao chão, com seus sapatos pretos fashion engraxados encima e o cinzeiro cheio, confirmou o que Paulo jamais imaginaria para sua vida, depois daquele dia fatídico. Verônika havia voltado pra casa!