terça-feira, agosto 30, 2011

Ossos do ofício

"Puta também tem frio, mas são os ossos do ofício", disse ela, em alto volume, paramentada, no seu ponto de sempre e encostada em um carro estacionado, no meio do trânsito louco da avenida Ibirapuera.

A explicação bem humorada, rápida e direta, veio em função do meu espanto, ao vê-la com um minúsculo vestidinho preto, meia de lurex e rosto super maquilado, emoldurado pelo cabelãochapinhaloirão.

Virgínia, fiquei sabendo seu nome de guerra, hoje, é um travesti de quase dois metros de altura, que já faz parte constante do meu percurso de 10 quilômetros de quase todas as manhãs. Às vezes, a vejo conversando com elegantes senhores, geralmente de carros importados, combinando preço de programa. Deve ser em conta, porque quase sempre ela embarca.

Às vezes, toma um chá de espera, quando o mercado tá fraco. Nestas ocasiões, ela caminha impacientemente de uma calçada a outra, encima de seu elegante salto. Agulha sim...

"Mas como é que você não tá tremendo, com esta pouca roupa?" - aproveitei a deixa, recuando da corrida, mas saltitando, no mesmo lugar.

"Ah, no fim, a gente acaba acostumando, bofe. É o meu trabalho... Imagine você se tiver que parar cada vez que faz frio em São Paulo?"

Segundo Virgínia, um programa "completo" de quatro horas sai entre 400 a 500 reais. Se for verdade, a profissão é bem rentável. E quantos, geralmente ela faz por dia?

"Dois, três, dependendo..." Na segunda tem mais clientes. "São os casados, que passam o final de semana na mesmice..."

Entre os clientes, Virgínia garante atender muito empresário machão. "Nem te conteiiiiiii, verdadeiras femiazinhas na cama". E jogadores de futebol. "Tem um craque do Coríntians, mas ... depois te conto, deixa eu atender este bofe que tá parando..."




segunda-feira, agosto 01, 2011

Lembrando a virtude do ócio

Dez horas da manhã, de uma segunda-feira gris, de cara amarrada, início das aulas e da rotina apressada de São Paulo. No meio do para e anda da avenida Paulista, ouve-se um sonoro "anda ráááápido, vagabundo!" - de um apressado motorista.


A vítima, um cara de outro planeta, um ciclista de bermuda e camiseta, em ritmo de férias. Não demorou minutos, o et emparelhou sua bike com o cara estressado, no sinal fechado. E disparou, sorrindo irônico um "pô cara, calma! Vai trabalhar! Trabalhar engrandece o ser humano! Quanto mais trabalho, mais virtude! Gera dinheiro e felicidade! Ocupa o tempo e não deixa você pensar em vícios ou o motivo de tanto trabalho..."


Não sei o resto do bateboca, porque segui em frente na corrida diária, enaltecendo o meu "douce itinérant", ou no popular, doce vagabundagem... E de cara, me lembrei de uma crônica do jornalista Sérgio Augusto, sobre a arte de ficar á toa. Ele cita vários pensadores que se preocuparam em produzir e criar em cima do ócio, como Camus "são os ociosos que transformam o mundo, porque os outros não têm tempo algum". Sêneca, "a primeira prova de uma inteligência ordenada é poder parar e aquietar-se consigo mesmo". Montaigne: "entregar-se ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz" . Nietzshe: "quem não tem dois terços do dia para si é escravo."


Já Platão e Aristóteles, se vivessem em Sampa, neste século, seriam castigados por tamanha ousadia de pensamentos e levariam uma surra de neosnazistas, na madrugada de um fim de semana, em plena Paulista. Para eles, trabalhar faz mal à saúde, degrada a alma e impede o homem de servir ao espírito, ao corpo é a polis. E ainda botariam um cartaz sobre seus corpos, com a frase que "decorava" os campos de concentrações : " o trabalho liberta !"


O jornalista lembra que na Grécia antiga, os intelectuais desprezavam o trabalho, tarefa exclusiva dos escravos. Pra deleite da galera, passavam o tempo praticando exercícios físicos, jogos de inteligência e contemplando a vida.


"Mas a moral cristã estragou tudo, santificando o batente (ganharás o pão com o suor de seu rosto) e transformando a preguiça em pecado capital", afirma Augusto, ressaltando o que diz a Bíblia, ter o deus dos cristãos descansado eternamente no sétimo dia.