sábado, julho 18, 2009

Estrangeiro de si

A imagem daquele homem sentado na calçada, encostado no muro de um edifício da Giovanni Gronchi, na fria manhã deste sábado, cujos termômetros de rua marcavam 11 graus, deveria congelar mais o coração de qualquer ser humano.
Deveria. Não fosse o casaco de lã e do blusão de tricôt, das calças de veludo e da grossa bota, que vestia.
Deveria. Não fosse, ainda, o rosto indiferente do portador, insinuando uma estranha satisfação, passando a mensagem de não tô nem aí pra vocês. Fazendo contas em um bloquinho de papel, o cara se divertia com uma sinistra matemática.
Às vezes, ele deixava o bloco e passava pra uma folha solta, guardada no bolso da calça. Não resisti. Dei meia volta na caminhada e tentei xeretar. Quarenta e dois menos 9, mais 11, menos 13, vezes 3, mais 15, igual a... 9. “Não. Dá 108”, falei um tanto constrangida. “Uno mais oito...”, respondeu rindo.
Gregório Fernandez, um negrão alto e forte, cabelos até os ombros nasceu em Sampa. Foi adotado com um ano e meio de idade, por uma família hondurenha. Está em São Paulo há quase dois anos.
Há mais de uma semana que o vejo, diariamente, caminhando apressado pela avenida. Com uma pasta debaixo do braço e um gorro de lã. Sempre a mesma vestimenta. Caramba, a cara do seu Jorge, o ator e músico que fez show com a Ana Carolina.
Diz que veio pra cá, pra fazer pós- graduação de Farmácia na USP. E na busca de suas origens. Em busca de si mesmo. Desistiu do curso na metade. Descobriu que o passado não estava aqui. Entrou em depressão. Toma remédio controlado. Às vezes se excede. Vê a rua correr mais que seus passos. Tem que parar. Como fez hoje.
Não vai pra casa. Sua casa não está mais no lugar de antes. Seus parentes não o conhecem. Ele está transformado. Seu passado é outro. Já foi. Se mandou. Um estrangeiro em sua terra.
“Moro por aí”, disse antes de seguir em frente.