sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O dia em que morri

Como um pesadelo! E aconteceu de repente. Ao sair do Shopping Iguatemi. Já no estacionamento pra pegar o bugui, senti algo sinistro no ar. A calmaria não combinava com o ambiente, apesar do horário morno, perto das três da tarde. E na quarta-feira.

Ao me aproximar da Praia do Futuro, a certeza de que algo não se enquadrava no contexto. O mar estava extremamente recuado. Cheguei mais perto e a visão que tive foi pra não esquecer por todas as reencarnações: uma onda gigante se formava distante e vinha com uma rapidez impressionante em direção a avenida Diogo, que beira a praia!

Em poucos segundos, ela já tomava conta da areia e arrastava os carros que vinham atrás de mim. Sentindo a sombra da onda sobre minha cabeça, pensei de relance: pronto, é o fim! Chegou o dia! Minha história termina aqui. Na praia. Sozinha. Longe dos meus amores. Longe da minha família. Longe de tanta coisa... Me vi como um pontinho na visão do satélite, engolida pela montanha de água...

De repente, como que por milagre, percebi a existência de um buraco iluminado, como se fosse um túnel, no meio das ondas. Entrei nele e acelerei tudo o que pude, em direção ao centro. E apaguei.

Não sei por quanto tempo fiquei desmaiada. Só sei que quando olhei ao redor, estava caída ao chão, no topo de um morro, com um monte de pessoas à minha frente, olhando todo o estrago que o tsunami tinha causado lá embaixo, no outro lado da cidade. Me levantei e tentei achar um lugar entre a multidão pra observar e entender o que havia acontecido, realmente.

As pessoas estavam tão nervosas, que mal me percebiam. Lembro de um casal, que me olhou com total indiferença, quando contava que eu tinha escapado da onda arrasadora. Um jovem, todo na beca, que parecia vestido pra um casamento ou formatura, reagiu com uma expressão de tristeza, ao me ver passar a sua frente. Sua namorada, também no maior chiquê, me olhou, mas parecia não entender o que estava ocorrendo, pois continuava impassível, não demonstrando qualquer surpresa ou curiosidade sobre a minha experiência. Preferiu perguntar à um senhor, que se dizia engenheiro, e tentava explicar o fenômeno.

Resolvi sentar num banco próximo pra pensar melhor. Onde era mesmo aquele local de Fortaleza, que eu não conhecia? Acho que foi o trauma, ou será que fiquei com amnésia? Seria o morro Santa Terezinha? De repente uma imensa saudade me bateu e eu comecei a caminhar na procura desesperada dos meus amigos. Mas minha memória, definitivamente, não tava legal. Não achava as ruas, não encontrava o caminho. Branco total.

Não demorou muito e... quando percebi, já estava entre eles. Não me recordo direito o lugar. Um bar?... Um ap...? Claro, tinha que ter festinha. Aproveitamos o aniversário... De quem mesmo? ( Porra, eu sei que é aniversário de algum dos nossos amigos , putz que memória de merda!). Depois eu me lembro... A verdade é que de quebra, resolvemos celebrar a minha segunda vida. Mas de novo, comecei a sentir uma sensação estranha.

Acho que ainda não tô legal, disse pra Mara, quando ela ficou um pouco mais desocupada com os convidados. Ela riu e não me respondeu. Fez um gesto carinhoso e foi atender alguém, que tinha pedido não sei o quê. "Engraçado, ninguém, até agora, perguntou sobre o acidente. Acho que querem me poupar..." Conclui. "Talvez seja por isto, também, que todos evitam conversar mais tempo comigo", pensei. O problema é que já estava me sentindo uma idiota, só ouvindo as pessoas e rindo das piadas - recontadas, em grande parte.

O telefone! Olhei pra ele e me lembrei que ainda não tinha ligado pra minha irmã de São Paulo, contando sobre o tsunami e todo o meu drama. Quando ia pegar no fone, chegou o André e puxou o aparelho pro seu colo. "Ia ligar pra minha irmã, mas posso esperar", justifiquei. Acho que ele nem ouviu direito o que disse, pois apenas riu, já começando a falar com a pessoa do outro lado da linha. Quando desligou, levou o telefone até à mesinha, onde estava.

Agora é a minha vez. Tomara que a Shirley esteja em casa...Tá. Então eu falei. Falei. Contei tudo direitinho. Mas... estranho. Ela não parece feliz. Só concorda. Não dá opinião...

De repente, ao invés dela, ouço a voz zangada e decidida da minha mãe, demonstrando impaciência: "pára com isso, Sheila! Tu estás morta!"

A sensação que eu senti naquele momento é indescritível. Olhei pra todos em volta...e a minha ficha começou a cair... "Bah, por isto que ninguém fala comigo. Não me enxergam. Desde aquele morro... Mas por quê estão fazendo festa? Ninguém tá triste? Ninguém sentiu a minha morte?..."

Então acordei! ... Acordei?