segunda-feira, março 24, 2008

Natureza morta!

Todo o dia era assim. Eles chegavam quase despercebidos, sempre no final da manhã. Sentavam na última mesa da barraca, na frente do mar. Pediam duas cervejas. Ficavam pouco mais de uma hora. Pagavam ao garçom e iam embora, em direção ao calçadão.

Ele, já senhor, parecia aposentado. Sempre de boné preto e vermelho, que tinha o escudo do Flamengo no meio. E imensos óculos escuros, que nunca tirava do rosto. Mesmo quando o tempo estava nublado.

Ela, cabelo pintado de loiro, com a raiz preta sempre à mostra. Só se vestia com canga, sempre amarrada como um vestido. Às vezes, vermelha, com detalhes de bolinhas brancas. Às vezes, estampada com grandes flores coloridas. Nunca tirava, porque nunca entrava no mar. Como seu companheiro. Era bem mais jovem do que ele. Quase não falava. Mas chorava muito. E sempre baixinho.

Todo mundo que frequentava aquele pedaço de praia, já sabia. Ainda na metade da primeira cerva, começava o rosário de estupidez. "Puta, vagabunda, preguiçosa", eram palavras gentis, diante do montão de acusações que o covardão despejava em seu ouvido. Baixinho. Como sempre. Depois saiam de braços dados.

Esta rotina durou quase seis meses. "Cinco meses, e dezesseis dias", pra ser mais exato. Segundo a contagem do garçom, que custou a acreditar ao olhar o relógio, marcando duas da tarde. O casal não havia aparecido, naquela terça-feira. Nem no dia seguinte. Nem na outra semana. "Melhor assim. A clientela agradece, a trégua na baixaria", observou.

Foi numa sexta, quase quinze dias depois, que a mesa voltou a ser ocupada pela freguesa cativa. Desta vez, com seu novo companheiro. Este, bem mais forte do que o antigo. Também usava um boné. Só que cinza. Também portava óculos escuros. Mas bem menor. Tipo rai-ban. Ah, e um bigodinho ridículo. Parecia policial. O horário também não era o mesmo. Cinco da tarde. A bebida, continuava sendo a ceva. Mas com um detalhe. Acompanhada de uma taça de cana.

"Se não tiver steinhaiger, manda comprar", ordenou em alto e bom som o novo companheiro da loira.

E foi em alto e bom som que, uma hora depois, a loira voltava a sofrer o mesmo calvário. "Sai daqui, sua puta vagabunda!" Ela continuava sem falar, olhando impassível para um ponto qualquer da praia. Até receber um soco. E tão violento, que lhe arrancou um dente!

Imediatamente, o garçom e o segurança expulsaram o valentão da barraca. Que só deixou o lugar, após despejar mais um monte de asneiras e palavrões em direção à sua companheira. Esta, continuava inerte, segurando um lenço junto à boca, olhando na direção do mar. Até ir embora sozinha. Chorando baixinho.

Dois dias depois, perto das cinco da tarde, os dois foram vistos, entrando abraçados, na barraca do lado.