sexta-feira, setembro 19, 2008

Amor Bandido

A bronca espalhafatosa da companheira no homem que caminhava ao seu lado, após a passagem da moça de fio-dental, até poderia ser encarada com naturalidade, não fosse uma certa peculiaridade: a idade avançada do casal.
O passeio dos dois setentões, em véspera de oitentinha, diariamente pela praia, sempre chamou a atenção devido a demonstração de carinho entre eles. Especialmente dela, Flora. Coroa bonita. Cabelos pintados de loiro. Unhas sempre bem feitas. Dentes implantados. Corpo bem cuidado.
O oposto de Adolfo. Juiz aposentado. Careca. Barrigudo. Desleixado. E gordo! Parecia bem mais velho que ela. Ah, e "brocha", segundo confissão de Flora, a uma amiga fofoqueira, que muita gente entendeu como estratégia feminina...
Coitado do Adolfo! Como pena com os ciúmes da companheira! O artigo primeiro do código de Flora, era nunca deixar o Adolfo ir à praia sozinho! Cervejinha no final de tarde com os amigos, na barraca da frente, lá tava a Flora, como carrapato vigilante. Única mulher no meio de um grupo de homens... Um deles conta que quando o celular do Adolfo toca, é ela quem atende antes.
Se for voz masculina, fica literalmente grudada no ouvido dele, pra confirmar se é recado de alguma "raaaapariga", como fazia questão de registrar. Ou a própria, que usou alguém pra ligar. Imagine uma voz feminina...
De novo: coitado do Adolfo!
Às vezes, no espaço livre das quatro paredes do bem decorado apartamento à beira-mar, que ele comprou pra curtir a paz de sua velhice com a amada e fiel companheira, ele reagia. Segundo os vizinhos, falava grosso. Dizia que ia embora, morar com a filha em Miami. Ou com o filho, em Barcelona. Beeeem longe. Os dois não aguentaram as queixas da mãe e se mandaram.
Já o Adolfo... Dava tudo no mesmo. Se separar do maridão resultava em tragédia maior. Chorava dias e noites. Ele desistia. Pedia desculpas. E voltava a enfrentar sua triste sina de amor bandido...
Outra vez: coi-ta-do do Adolfo!
De tanta patrulha e vergonha dos amigos, Adolfo não saia mais. Passava tardes e mais tardes olhando o mar, da varanda do ap. Flora do lado. Fazendo quitutes. E servindo uísque.
Houve um tempo, em que ela chamava os amigos. Dos quatro e cinco casais constantes, foram rareando, até sumirem do mapa. Culpa da Flora.
A alegria também sumiu do rosto de Adolfo. Começou a emagrecer. Sentia dor de cabeça frequente. No estômago. Na perna. No dedinho do pé. Que era escaldado todo o dia, com o maior carinho, por Flora. Não via mais o Jornal Nacional. Às vezes, lia. As inúmeras bulas de remédio.
Hoje, Adolfo acordara mais disposto, resolveu voltar a caminhar na praia. Depois da bronca de Flora e da inocente passagem da menina de biquininho, emudeceu de vez. Chegou em casa, tomou um banho. Bebeu um pouco da água de uma latinha que tava embaixo da pia. Deitou na cama. E sumiu de vez!
Santo Adolfo!