terça-feira, outubro 30, 2007

A escritora que ousa reagir

Nos meus tempos de ginásio, (ginásio... putz, mas é isto mesmo), aluna do glorioso Instituto de Educação de Porto Alegre (um prédio charmoso, construído nos padrões arquitetônicos clássicos - lembra um palácio grego-romano ), tinha uma colega iraquiana, que seguia rigidamente os padrões de seu país. Eu não entendia como, apesar de estar no Brasil, sendo uma das melhores alunas, até em português, convivendo com adolescentes pra lá de malandras, se mantinha fidelíssima às tradições culturais de sua terra.


Submissa ao extremo, ela fugia de opinar sobre qualquer questionamento político. Tá certo, que a época era de ditadura militar. E com raríssimas exceções, a turma se mostrava alienada nestas questões. Por pura falta de informação mesmo.


Não sei que fim levou Haajad. Mas me lembrei dela, ao ler, à pouco, a entrevista de uma escritora somali, Ayaan Ali, que me lavou a alma. E me encheu de esperanças. Acho que pelo menos as mulheres daquela região, estão começando a reagir contra a opressão provocada por dogmas religiosos.


Entre as críticas ao fundamentalismo religioso islâmico, ela condena a perpetuação de uma cultura que provoca atraso a cada geração. No seu livro "Infiel", ela conta as torturas que passou devido ao fanatismo religioso, inclusive a ablação da genitália - como forma de purificação da mulher - até a casar contra sua vontade.


Fugiu pra Holanda, onde foi deputada, e é claro, vive sob proteção policial, devido a perseguição de seus conterrâneos, que a ameaçaram de morte, por "ousar" desrespeitar as leis do Islã e defender a igualdade das mulheres. E não tem medo das críticas. Ela ressalta que a intransigência de seu povo torna-o mais retrógado, afundando cada vez mais na sua ignorância, pois não admite sequer qualquer discussão sobre o alcorão, que como a bíblia, foi escrito num contexto e em épocas diferentes.


Salve Ayaan. Apesar de pertencer à um pensamento muito minoritário, ela não desiste. Em um mundo de cegos, quem tem um olho...xiiiiiiiii, vê muito...

segunda-feira, outubro 29, 2007

A rendição ao bispo

Sei que é difícil para um jornalista ser isento. Apesar de aprendermos, desde pequeninho, ainda nos coeiros da faculdade, que nosso trabalho é apenas o de informar, ouvindo ( e passando) por todos os lados de um fato, sem tomar partido, tem horas que isto se torna impossível, pôxa!

Como não se indignar diante de um crime? Como não se revoltar ao entrevistar um advogado que defende um assassino bárbaro e ainda faz ironia com perguntas sobre justiça?... Apesar de já estarmos cansados de cobrir matérias sobre crime...Como não chorar diante de uma criança com fome, ainda que a gente esteja fazendo uma matéria ao vivo? ... Apesar das inúmeras reportagens sobre a seca... Como não embargar a voz diante da descrição de uma vitória do Brasil na Copa do Mundo? Mesmo com tantas copas... Como não se envergonhar ao relatar a descoberta de mais uma ação fraudulenta de um político, quem sabe, uma fonte sua e do qual você até poria a mão no fogo para defendê-lo...

Só os próprios jornalistas sabem como é difícil demonstrar frieza, mesmo após anos de experiência na profissão. Felizmente, ainda não aprendemos a agir como máquinas, apesar da atuação de algumas empresas jornalísticas, na execução primária de determinados projetos de recursos humanos, acreditando "moldar"como marionetes, as cabeças de repórteres novatos, tornando-os profissionais egoístas e prepotentes na busca de um furo. Já existe isso. Jornalistas que desrespeitam as regras da boa convivência, porque tem que cumprir metas - como fazem os vendedores de algum produto ou serviço - sendo analisados semanalmente, durante reunião de editores e sendo diferenciados com notas de 01 a 10. Alunos inseguros, em rígidos colégios.

Como em todas as profissões, há jornalistas do bem e do mal. Como em todas as psiquês, há o bom e o mau caráter. E, como em toda a cultura, há a visão em diversos ângulos. No Irã e países muçulmanos, por exemplo, o jornalista que ousar escrever ou falar algo positivo sobre algum aspecto do sistema democrático, tá fudido. Não só é demitido, como condenado à forca... E por aí vai. E o pior que são felizes assim. Defendendo e propagando ideais extremistas, como autômotos, incapazes de parar pra pensar e contestar. Meros repassadores do sistema, comandado por poderosos.

Neste aspecto, todas as culturas se equivalem. No oriente. No ocidente. Nos pólos. Nas editorias. Nos contra-cheques. Nas piadas. "Quem tem poder manda, quem tem juízo obedece." Ou," não fale. Um dia você ainda vai cair nessa... Lembre-se que o mercado é estreito. E o campo seco."

Foi isto que pensei ao ler, há pouco, duas notinhas, em colunas de fofocas: a demissão de repórteres veteranos da Globo e TVE e o lançamento da biografia do dono da igreja universal e da rede Record. Jornalistas conhecidos por criticarem esquemas de corrupção, colegas de copo e papo, que me emocionavam pela defesa intransigente da liberdade de bem informar, imunes à qualquer tipo de aliciamento, beijando a mão do bispo. Digo, pedindo autógrafo ao chefe.

Perfume de mulher


Se a lua de mel com a população será curta. Se ela tem gênio autoritário. Se ela não tem preparo algum para enfrentar a crise enérgica que promete invadir a Argentina nos próximos anos. Se as roupas que usa são somente de grife, apesar de ativista nos tempos de universidade. Se o seu marido vai continuar o mesmo, até o fim do mandato... Não interessa. O importante é que Cristina Kirchner, a nova presidente da Argentina deu mais um grande salto para aproximar o exíguo mundo feminino da política.


E um salto histórico, já que representa a primeira mulher eleita pelo povo a ocupar o cargo naquele país. Mesmo após ter passado vários anos de liderança da carismática Eva Perón, ainda tão presente nos corações argentinos. Evita sempre fez questão de ficar à sombra do marido Juan, apesar de líder latente. Os tempos eram outros. Época da intolerância machista, da obrigação histórico-cultural de se mostrar mãe de nossos homens, da velha e conhecida frase " sempre por trás de um grande homem, existe uma...

Parece que a escrita começa a ser diferente. Cristina superou em dobro, os votos dados à seu companheiro, nas últimas eleições. Ainda que sua campanha tenha sido vinculada ao governo de Nestor. Não há como negar o crescimento econômico, ainda que com estatísticas manipuladas. E pra não deixar dúvidas na boa atuação feminina, a candidata que ficou em segundo, também é do gênero.

É mais uma barreira machista ultrapassada, na América Latina. Já temos uma mulher no topo político chileno. Fala-se em candidatas na próxima eleição brasileira. Que venham logo. Com apliques ou penduricalhos. Maquiadas ou de rosto lavado. Executivas ou ripongas. Elegantes ou bregas. Tatuadas ou "pircingadas" ( como a prefeita desta cidade) . Com ou sem tpm. Mas sempre dispostas a ouvir, a ponderar, a entender, a agir e dar carinho.

Sei não, mas já sinto um novo perfume no ar...

terça-feira, outubro 23, 2007

Jornal de ontem

Acho que nasci jornalista. Leio jornal desde pequeninha. Política. Economia. Artes. Esportes. Com o tempo, não lia apenas os cadernos setorizados. Não lia mais. Engolia. Era o que se chamava enxugar os jornais. E tudo que estivesse impresso. Classificados. Receitas. Coluna social. Fofocas de artistas. Convites de enterro. Moda. Tudo. Foram anos! Mesmo fora das redações. Quando não dava pra ler durante a manhã, lia à noite. Não ia pra cama sem uma leitura aprofundada deles. Mesmo com a grana curta. Quando não dava pra comprar o jornal diariamente, dava um jeito de lê-los em algum lugar. Mesmo com a internet, não abria mão de sujar as minhãs mãos, pra sentir o doce prazer de devorar o impresso.

Eis que de repente, o que eu jamais imaginava que fosse acontecer na minha vida de hábitos nem tão coerentes, enjoei de ler os jornais impressos! Não acreditava mesmo. Pensei que fosse uma fase, uma temporada de férias, um protesto contra a violência, sei lá... Mas, né, não. Na verdade, cansei da mesmice. E assim como eu, acredito que muita gente!

Não tem graça você comprar o jornal e dar de cara com notícias velhas, defasadas, já comentadas e exploradas no dia anterior pela vasta rede de agências e de pessoas bem informadas que circulam pela net. E ainda de graça. Se algum jornal insiste em cobrar pela assinatura digital, sempre existirá outro com a mesma notícia oferecendo quentinha e sem pagar nada por ela. Hoje quem não tem computador em casa, tem no trabalho. Eu fico imaginando, quando o computa for popularizado...

E fico imaginando porque os jornalistas da turma executiva ainda não enxergaram isso. Gastam grana em seguidas campanhas pra modificar lay-out, diagramação e sei mais lá o que, sem modificar, no entanto, o essencial, o coração, a rotina da redação, o algo mais que não tem na internet. Assim como as revistas fazem, pra diferenciar dos jornais, com matérias especiais.

O jornal precisa disso. Tomar o lugar da revista. Bater fundo numa matéria inédita e até aprofundar-se, de vez em quando, em alguma notícia, pode ser factual mesmo. Repórteres, com experiência, conseguem fazer bem este papel diferencial. O restante, as notícias do dia anterior, poderiam ser dadas através de uma outra turma, que gastariam só o tempo de chupar as notícias da internet e entregar tudo mastigadinho para o leitor. As grandes redações seriam transferidas para a net.

Taí, um jornal bem mais enxuto, bem mais agradável e original. Com cara de revista, mas cobrando a terça parte de uma. Já as revistas terão que escolher um novo caminho, acho que se sofisticando e com matérias mais especializadas.
"Bora" gente, não vamos deixar o jornal morrer.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Um pseudo crime ou... A vida escrachada de Rosália Maria e Otávio Augusto...

Apenas houve: não aguento mais as saudades de você. Hoje eu consigo aquela grana pra gente se mandar...

A voz aflita e desesperada era de Rosália Maria, no celular. Praticamente um ultimato na vida de Otávio Augusto, que não dava, nem descia. Só comia e não se importava com a divisão. No fundo ele sabia que seu objetivo era outro. Depois, havia seu melhor amigo, marido da Rosália Maria, que não só acreditava nas juras de amor, como botava a mão no fogo pela fidelidade de Rosália. O que não quer dizer muita coisa também. Foi assim com a Edilelma. Com a Regiane. Com a Edicreusa...

E desta a forma a vida ia passando... Com as promessas cada vez mais escassas de encontro dos dois e os frequentes telefonemas.

Apenas houve: descobri a senha da conta do pai do Rogério Arthur, no Exelsur Bank. (O pai do Rogério Arthur, tinha sido o primeiro pseudo marido de Rosália Maria, um alemão rico, que prometeu casar com ela, depois de ter recebido em seu país, uma ação de reconhecimento de paternidade). Um apartamento. Um carro. E o sobrenome para o filho. Ficaram combinados assim. Mas a fatura ainda poderia ser esticada... Na cabeça estrambólicamente brilhante de Otávio Augusto, estava feito o carreto.

Apenas houve: tô indo aí na segunda, pra gente resolver o negócio! Dá um jeito de deixar o caminho livre entre nove e três da tarde. Desta vez, quem ligou, foi Otávio Augusto. O amigo-marido estava do lado? Pelo sim, pelo não, não poderia correr riscos. E também, porque a história fica melhor contada desta forma.

Apenas houve: POOOOOOOR QUEEEEEEEEEEEE VOCÊ NÃO VEIO !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! O que tá acontecendo?!!!! Sempre soube que você não me amava. Fiquei sabendo que existe uma Lucinda, que mora no Rio e não larga do teu pé. Quem é ela? Por quê você nunca me falou dela?

- Poxa, meu amor, ela é apenas uma amiga... respondeu Otávio Augusto. Tá bom. Amanhã. Vou pra aí. Bem cedinho, pra gente tirar o atraso. Depois a gente trata dos negócios.

Agora, neste novo início de parágrafo, não tem o "apenas houve", por razões óbvias. Além de poder agilizar a história, que já tá ficando comum e de repente mudar de rumo. E na verdade, não precisa, porque os dois, finalmente estavam na cama. A mesma, que abriga o pai do Rogério Arthur - quando ele vem da europa - o atual marido, as amigas íntimas, os cachorrinhos da casa... Foi tanta trepada, que os dois esqueceram dos negócios. O dia passou. A noite chegou. O uísque terminou. A campaínha tocou. Tamo fudido...

Não, acho até bom, assim eu conto tudo pra ele, assumo que sempre te amei e a gente vai viver a nossa vida aqui neste apartamento, como eu sempre sonhei... disse uma euforezicamente-esfuziante-retumbantemente Rosália Maria.

O que ia ser de verdade, a tragédia familiar-amizade que ameaçou se instalar em breves segundos e que poderia compor o novo cenário desta história, ficou no ia-poderia, já que quem tocou a campaínha foi o vizinho do lado, avisando que as chaves haviam sido esquecidas na porta, pelo lado de fora. "Ah, amanhã a gente se encontra pra falar de negócios. Ou melhor, acho que só na próxima semana, porque nesta eu tô cheio de trabalho", disse Otávio Augusto, pensando na canastra desta noite, com os pais da Heleninha. Na quinta, sim, era o dia das intermináveis reuniões, que acabavam sempre falando da vida do coitado que não estava presente. E claro, o escolhido era sempre boicotado do horário. Na sexta...xi era o dia do pagamento... Queria tanto viajar, passar um final de semana em Fernando de Noronha, com a Heleninha. Desde que casamos, há mais de 10 anos, nunca pudemos fazer uma extravagância destas. Não, isto não é vida para um ser humano honesto! - pensou .

Então é o jeito. Voltamos ao início... Apenas houve: não tô aguentando a saudade. Teu cheiro ainda tá no meu corpo. Quero te ver. Dá um jeito pra ficar livre neste sábado de manhã... Terá que ser rapidinho. Pode ser no Boteco da Praia ? Otávio Augusto se lembrou que na frente do mesmo, tem uma lan-house. Um minuto depois, liga uma vorazmente-hipotética-surpreendentemente Rosália Maria:

Apenas houve: tá marcado. Se você não vier, eu é que vou aí! Escuta um pedacinho da nossa música...

O dia estava mais que lindo, naquela manhã. Chamava à praia. Mas Otávio Augusto tava nervoso. Mesmo depois de dois uísques... Lá vem ela. Shortinho, bundão atrás, tamanco, bluzinha tapando a barriguinha, já bem grandinha, apesar dos 40... chapelão extravagante. "Já vi que você tá nervoso. Vamos ali, um pouquinho, que eu acalmo você", disse com voz sexi, no ouvido de Otávio, antes de sentar. Ali era o toillete feminino, lugar já comum, pra mais uminha, sempre na hora de ir embora. Rosália entrava. Otávio Augusto esperava pra ver a movimentação e entrava no momento certo. Na saída, era o mesmo esquema.

Sentaram, pra relaxar. "Você imagina quanto tem naquele banco?" " Quase 10 milhões de euros, somando todas as aplicações dele." - respondeu Rosália Maria. Sete milhões, já bastava. Transferindo sete mihões pra sua conta, no Banco do Brasil, já era suficiente, pensou Otávio Augusto. "Puxa, a gente não precisa de tanto, quem sabe uns quatro milhões", argumentou Rosália Maria. "É, pode ser." A gente transfere e se manda pra...Paris... Pro Hawai... Pras Ilhas Virgens... Isso, pras Ilhas Virgens. Não tem importância mesmo, que eu não vou fazer absolutamente nada na vida. Mas tem uma coisa, vou deixar uma graninha pra Helenina. Uns 50, uns 40 mil euros, tá legal?... Vamos, me dá a senha...

O caminho do bar até a lan-house pareceu uma eternidade. Na frente do computador, então! "Otávio Augusto, eu tava pensando, se a gente fizer isto, vamos ter que fugir da polícia a vida inteira! Eu te faço uma proposta: tenho um lote em Canoa Quebrada. É bem pertinho da praia. Você sabe que tudo que eu peço pro pai do Rogério Arthur ele me dá. Então, vou pedir pra construir uma casa confortável, com um varandão imenso, como você sempre fala. Em menos de seis meses, ela fica pronta te garanto! Eu até posso abrir mão de deixar o Rogério Arthur ir estudar em Munique, no ano que vem, como o pai sempre quis. Com a pensão que ele me dá e com o aluguel do apartamentinho lá da Barra do Ceará, vai dar pra gente viver bem tranquilo, tá amooooooor?

Uma casa na praia em Canoa Quebrada... Pertinho do mar... Tudo que Otávio Augusto sempre sonhou...Que maravilha! Prometo! Mas e se a casa demorar pra ficar pronta? "Não, eu te garanto, no máximo em um ano, tá certo?"- insistiu Rosália Maria.

Puxa, quase duas horas, tenho que me mandar, senão apanho em casa. Amanhã te ligo.



quarta-feira, outubro 10, 2007

Uma em várias...

Resposta à quem pergunta quem sou eu:

"Vive dentro de mim, uma cabocla velha, de mau olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo.

Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá. Macumba. Terreiro. Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho. Seu cheiro gostoso de água e sabão. Rodilha de Pano. Trouxa de roupa, pedra de anil...

Vive dentro de mim a mulher cozinheira. Pimenta e cebola. Quitute bem feito. Panela de barro. Taipa de lenha. Cozinha antiga. Toda pretinha. Bem cacheada de picumã. Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal...

Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária. Bem linguaruda. Desabusada. Sem preconceitos. De casca-grossa, de chinelinha e filharada...

Vive dentro de mim a mulher roceira. Enxerto de terra. Trabalhadeira. Madrugadeira. Analfabeta. De pé no chão. Bem parideira. Bem criadeira. Seus doze filhos. Seu vinte netos...

Vive dentro de mim a mulher da vida. Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada. Fingindo ser alegre. Seu triste fado... Todas as vidas dentro de mim.

Na minha vida, a vida mera das obscuras!"

(Cora Coralina)

segunda-feira, outubro 08, 2007

Sandra


De dentro do mar, onde várias vezes armei meu altar pra gritar e te mandar energia suficiente capaz de virar o jogo, ainda que nos minutos finais...





O cenário é muito diferente daqueles dos nossos tempos de Porto Alegre, desde a Lima e Silva, rua onde nasci e tu me querias fazer de boneca... E como tu gostavas de boneca... Me lembro até hoje da Cíntia, aquela boneca grandona, com cabelos loiros, cara, braços e pernas de louça, que por um longo tempo tu guardaste encima da cama. Eu não gostava muito, mas até que a achava linda e afinal, deixava nosso quarto mais bonito... Que fim levou? Deve ter sido difícil se desfazer dela... Mas me parece que tu enfrentaste esta perda no momento certo e com tranquilidade.



Não lembro tampouco da casa da Riachuelo, onde tu nasceste e que quando fui conhecer, há pouco tempo, tinha um edifício no lugar.



Mas foi na Ramiro, ah, isto eu me lembro, em frente ao Hospital das Clínicas, que levou aaaaaaanos pra ser construído, o lugar que mais te marcou, até os teus descompromissados 21 anos. Lá, tu sofreste a dor da morte repentina do pai. Virou adulta e provedora de lar, ao ser obrigada a trabalhar pra ajudar nas despesas da casa, enquanto a pensão da mãe demorou pra ser regulamentada.




Poxa, como lembro do teu extremo cansaço, ao voltar da loja de um nervoso e truculento Alceu, pra ganhar uns pingados de grana. Tu choravas sentida, acreditando que por ser da família, a delicadeza seria linguagem corrente... Melhorou com o primo Ruben, que era diretor e te deu o cargo de Ajudante de Biblioteca ( chiiiiii como rimos deste título), na Faculdade de Farmácia.



Quantos amores e desamores... Apesar da tua cara linda, te traía pela insegurança. Choravas porque não queria ficar com o Jorge, que te amava. Choravas porque querias ficar com o Dudu, que era indeciso... Choravas porque ia ficar solteirona, porque já estava com 23 anos! Choravas porque tínhamos que passar os feriadões quentésimos em Porto Alegre, quando todo mundo ia pra praia. ("Ah, mas um dia eu vou ter uma casa na praia, pra gente ir sempre"- era o que tu vivia falando e que eu sempre desconfiei, era mais pra me acalmar, pois eu vivia querendo ir embora, atrás do mar...).


Manteiga derretida, (lembra?) sempre foi o teu apelido. Acabou se apaixonando e casando com o Clides, que não tinha nada a ver com a história... E te levou embora.


Caxias. Foi outro drama, na nossa história. Tivemos medo que tu não foste te adaptar... Ficou no medo. O início, lembro que foi difícil, mas felizmente, durou pouco. Veio a Tita. E com que altivez e resistência de Leão tu enfrentaste a barra do altismo. Sempre com a maior paciência e carinho... Tu, libriana das boas, que adoravas festas e auê, nunca demonstraste inconformidade por ter que renunciar a tudo isto pra cuidar da Letícia, uma eterna criança.


Depois de um tempo, apostou em outra gravidez. E não sei por que cargas d´água , todo mundo ficou com medo de te perder. Me lembro que quando chegou o aviso que tu ias pro hospital pra ganhar a Lali, era mais de meia noite e nós nos mandamos de carro, pra Caxias, com a maior preocupação do mundo, em plena imensa neblina da madrugada na estrada sinuosa da serra. E veio a Lali, minha afilhada maravilhosa. Cheia de saúde e paz. Linda e centrada. Nosso orgulho. E tem o teu cheiro.


Ir pra Caxias, pra tua casa, pra tomar vinho da Colônia, nos finais de semana, era uma festa! E nas férias então, quando a gente se mandava pra pra casa de vocês, na Rainha do Mar ( o que tu não conseguias, heim, com a tua determinação? Sóóoo juntando os trocados... e só tu sabes que eram trocados meeeeeeeeesmo). Os churrascos... Os finais de ano, aquele porre de champanhe, na beira do mar, que de tanto rir, tu fizeste xixi nas calças. Era muito, muito bom...


Hoje me acordei com uma saudade imensa de ti. Não tenho como te ligar, como fiz durante vários anos, no 08 de outubro, sempre com a promessa de no próximo dar um beijo in loco. Te saúdo, com uma taça de champanhe.
Viramos o jogo. Não há mais distâncias...