quarta-feira, agosto 27, 2008

Rumo incerto

O lugar era de tirar o fôlego! Um dos mais belos que Toni encontrou, durante a sua viagem de bicicleta, sem destino. E que teve início há mais de cinco meses, quando perdeu Lara, amor e grande companheira de sua vida. Mandou o cargo de executivo pras cucuias. Reuniu a família, pra anunciar que ia se mandar. Fechou o ap. E tomou seu rumo. Com a bike e a roupa do corpo. Ah, claro, o cartão de crédito. Escondido dentro do tênis.

Dormia ao relento. E em pousadas, quando não havia jeito! Passou por vales. Montanhas. Cidades que nunca tinha ouvido falar. Mas a paisagem em que havia se deparado como uma miragem, à sua frente, era indescritível. Uma praia de águas tão claras, que pareciam jorradas de cristais. A areia tão branca, que lembrava neve. Um mar cercado por muros invisíveis...

Foi o que ele percebeu, ao tentar se aproximar. Recebeu um choque tão potente, que o atirou longe do local onde havia parado. Ainda tonto, notou que havia uma aldeia, na beira da praia. "ÔÔÔÔÔÔ de caaaaaaasa" - gritou. Rapidamente, as pessoas sumiram. Em seguida, um grupo, formado por cerca de vinte homens, portando armas, apresentaram as boas vindas.

"Caaaallma. Sou de paz!" Toni percebeu que o novo grito, deixou o grupo transtornado. Ao invés de olharem na sua direção, avançaram pro lado oposto. Seriam cegos?

Não exatamente. Foi o que constatou, ao se aproximar dos homens. Depois de provar estar sem armas, mostraram à ele um pequeno espaço, que deveria representar uma porta, sem qualquer dispositivo eletrônico. Tomou água, que havia pedido. Sentou no chão, no centro da rodinha formada por eles. E foi inquirido de todas as formas. Apesar de nenhuma palavra ou gesto. Uma espécie de captação cerebral. Já suas perguntas eram recebidas com indiferença e descaradamente ignoradas. O grupo se desfez. Os homens foram pra um pavilhão, onde seria servido o jantar. Pelo menos foi o que ele deduziu. Ficou olhando de longe.

Fixou o olhar no mar. O mar cristalino... Decidiu mergulhar. Nú. Esta hora, à tardinha, estava ainda mais esplendoroso! Prateado! Límpido! Como a sua consciência, pensou.

Quando voltou pra aldeia, já vestido, sentiu uma estranha sensação de bem estar. Quis partilhar com os habitantes do lugar. Procurou se entrosar. Tentativa inútil. Foi totalmente rejeitado. Parecia que as pessoas não o viam. A não ser...

Mariah. Era seu nome. Nem bonita. Nem feia. Uma mulher comum. Mas com um incrível poder de sedução. Seus olhos falavam... Foi o que sentiu, ao ver seu olhar paralisado no dela. Sentaram na areia de neve.

Através do olhar de Mariah, Toni descobriu o segredo daquela gente. Não tinham cérebro! Se comunicavam pelo olhar.

Pelo olhar, Toni sentiu o carinho de Mariah. A maneira meiga, que falava, através do olhar. O beijo ardente. Sem tocar nos lábios... O corpo dela colado ao seu, sem um abraço sequer. Mas, há cada momento em que se sentia próximo de explodir em gozo, era contido.

Privilégio de casal! O prazer. Pelas leis de seu povo. Segundo a explicação de Mariah.

E assim passaram-se os dias. Toni, totalmente ignorado pela comunidade. Como um cão viralata. Mas amado por Mariah. Seus encontros eram cada vez mais frequentes. Apaixonados! E dolorosos. Quando Toni tentava encostar seu corpo no de Mariah, era repelido através de uma paralisia no coração. Que estranho poder tinha esse povo sem cérebro? Que o faziam escravo de seu próprio prazer? Logo ele, que achava ser superior. Por ter cérebro!

Marcou casamento com Mariah. Sempre protelado.

Aos prantos, depois de muita insistência dele, Mariah explicou o motivo. Ela estava sendo hostilizada pela família, por se unir a um homem ignorante e rude! Seu pai só iria permitir a comunhão, se ele também tirasse o cérebro! Uma operação delicada, mas os médicos da aldeia tinham condições de fazer a cirurgia.

Valia a pena. Pela foda. Por Mariah. Tudo valia a pena. Casariam. Teriam filhos. Viveriam ali. Naquele paraíso. Eternamente! Seriam felizes!

Era o que pensava, enquanto aguardava, sentado na sala daquela clínica veterinária, olhando o mar, a entrega da Clara, a nova labradora, escolhida pra ficar no lugar da sua brincalhona e inesquecível Lara...