sexta-feira, fevereiro 13, 2009

O cínico poder

O papo corria solto na mesa da barraca, bem próxima ao mar. Chamava a atenção dos demais banhistas, devido a forma como as pessoas discutiam suas idéias. Ou seja, um grupo de turistas paulistas. Aproveitavam o sol de brigadeiro da sexta-feira, depois de dois dias de chuva.
Por aqui, na alta temporada, se a água cair um dia inteiro sem parar, quem estiver em hotel, não paga a diária. Palavra da Secretaria de Turismo do Estado. Não sei se é o caso da turma falante. Até seria bom checar, pra ver se a coisa funciona direitinho. Não agora, claro, que a conversa toma rumo de gente grande...
O papa. Outra vez, as declarações atrapalhadas do papa. Como quem tá acostumado a falar pro rebanho cativo, ele quer agora a retratação de um colega seu de batina, que nega o holocausto. "Tô gostando de ver, este papa, ele tomou a atitude de líder mundial", disse entusiasmado um senhor de barba e boné branco, combinando com a bermuda. "E eu que pensei que ele não se metesse neste tipo de confusão", emendou uma senhora elegante e bonita, antes de se levantar pra ir ao banheiro. "Não sei não, pra mim seria mais coerente, este bispo ser expulso da igreja", falou um cara, tipo empresário quarentão, "tônemaípracrise"
Tudo muito bem, tudo muito bom. Assim como o grupo não percebeu - ou dependendo do grau de religiosidade de seus integrantes, jamais contestariam uma afirmação papal - pensei cá com meus botões e não consegui deixar de dar um palpite quase que resmungando: ainda que mal "pregunte", não seria o caso do papa acenar com a suspensão da excomunhão, ao dito e nobilíssimo colega? Não foi ele, que poucos dias antes havia reintegrado o tal bispo à igreja católica, já que estava excomungado?
"Realmente, história pra inglês ver", observou a amiga que dividia comigo uma ceva gelada, no belo final de tarde de verão.
História que a chefe do governo alemão, Ângela Merkel, não engoliu, ao pedir que o papa fosse mais claro nas manifestações. Como, por exemplo, aproveitar a oportunidade e reforçar com provas evidentes a existência do nazismo e o massacre de judeus nos campos de concentrações.
Não é só um bispo que fala besteira por aí. Por incrível que pareça, há muita gente que se diz inteligente e intelectual que faz coro a ignorante afirmativa. Eu, por exemplo, nas minhas andanças de repórter, me deparei com um número expressivo de seres humanos que não acreditam - oooh raaaça! - no holocausto!
Fazer o quê? Fazeroque, se também tem um imenso contingente de pseudosditadores (grande parte, defensores da democracia...) espalhados pelo mundo, como o próprio papa e alguns dirigentes de Israel, que, ao invés de contraditarem, abusam do poder para limitar o direito de expressão ou idéias, de um cidadão. Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las, já alertava Voltaire, há milhares de anos. Lição, que muita gente vive esquecendo.
"A verdade é que o papa tem sempre razão", falou... falou não, praticamente gritou a senhora ruiva, pra não dizer loira, chiii, da mesa da frente. A expressão de seu rosto era a de quem acreditava, piamente, estar purificando a sua e a alma de todos os demais servos em férias...
Senha do correr pro mar!