segunda-feira, dezembro 08, 2008

Identidade preservada

Edilane Ferreira Vintelli. É o nome dela. Tem 26 anos. Cearense de Ubajara. Onde está situado o menor parque nacional do Brasil, segundo a entidade de turismo do estado. Região de grutas e cavernas. E terra de sua mais famosa conterrânea, Florilda Bulcão. Ou Bolkan, pros nativos esnobes. Mesmo sem saber da real história de vida de Florinda, seguiu trajetória parecida.
Edilane veio parar em Fortaleza, aos 17 anos, por força das circunstâncias existenciais. Dela. Noiva, desde os 17 anos, sentia arrepios em ter que viver igual a sua mãe. Roceira e cheia de "cria". Com a licença de garantir um batonzinho vermelho, no final de semana, no forró da Baixa.
Numa segunda-feira, propôs se mandar pra capital, com o futuro marido. Ele topou. Às quatro e cinco da manhã. Ao invés do caminhão coletivo que os levariam à capina, eles tomariam o rumo da estrada. O noivo amarelou. Edilane foi em frente. Apostou na rima. Pegou carona num caminhão diferente. Com placa do sul.
Ao contrário do previsível, ela não foi "bulida", como diz o matuto cearês. O motorista foi legal. Deixou Edilane na entrada da cidade. E ainda lhe deu cinco reais. Com os 40, do trabalho semanal, dava pra aguentar, até ela encontrar um novo trabalho. Pegou outra carona. Com um ciclista, segurança de um prédio em construção, na praia de Iracema.
Lá se enturmou. Aprendeu a fazer colar, com um artesão amazonense. Se apaixonou por um vendedor de picolé, que trabalhava na Praia do Futuro. Virou figurinha fácil do pedaço. Conheceu um italiano. Se mandou pra Florença com o gringo. Casou. De aliança e tudo.
Quem diria! Aquela canelau, feito cão chupando manga, cabelo enroladinho, voz miúda, cheia de gastura, arrudiô... Virou quase um mulherão! Comentava o antigo vendedor de coco da região. Nariz empinado, dona de si, tipo "tô pagaaano!" - ela exibia, ontem, seu lay-out de primeira-dama, na barraca mais chique da praia. Cabelão loirão, unhas bem tratadas, bundão siliconado!
- Fala mulher! Como foi que você fez isso? - Era a mulher do dono da barraca. Várias vezes a tinha expulsado da área, por vender doces caramelados, quatro reais mais baratos que os do restaurante. - Vaaaaaalha-me deus, não é que ficou bom! - exclamou a fisioteraupeta, assim que se desvencilhou do cliente, correndo pra perto da dona do pedaço.
Vai e vem, a mulherada, que já formava um grupo, acabou levando Edilane pra toalete. - Doeu? Quantos milímetros? Tá durinho mesmo... Quanto tempo de bunda pra cima? Quanto você pagou? Pera aí, que vou buscar o meu marido. Ele tem que ver isto... Ele pode apalpar? Não se preocupe, eu confio nele, disse antes de sair agarrada com o dito, levando o cartão do cirurgião italiano.
De volta à mesa, Edilane decidiu que não sentaria mais. Pelo menos, até concluir o registro definitivo de sua identidade brasileira.