terça-feira, janeiro 27, 2009

O sistema burrocrata do Denatran

As leis são feitas pra proteger e simplificar a vida das pessoas. Pelo menos assim pensava o pacato cidadão cearense Hermenegildo Rocha, garçom de uma barraca da praia, há quase oito anos, aqui na Praia do Futuro. Gente boa. Trabalhador honesto. Daqueles que seguem a vida cumprindo com o seu dever, sem qualquer deslizezinho. Tanto moral quanto profissional. Prooooonto... parecido com o personagem do jornalista Élio Gaspari, "Eremildo, o Idiota". Aquele ser puro, que acredita em tudo que os políticos falam. A real linhagem dos "ildos" brasileiros.
Pois bem, Hermenegildo, que tirou a carteira de motorista com 18 anos, pra trabalhar como motorista de caminhão- aos 58 , está impedido de dirigir. Pela atual legislação de trânsito, o documento é considerado muito antigo. Apesar de renovado a cada cinco anos. Até o ano 2001. Nesta data, Hermenegildo ficou desempregado e não tinha os quase 40 reais, pra fazer a renovação. Vendeu o fusquinha 63, que até tava manimenis, por preço de banana. A grana foi usada na alimentação da família. Mulher e três crianças.
Há mais de dois meses, ele recebeu uma proposta pra substituir o seu cunhado, motorista de táxi. Salário duas vezes maior do que o que ganha. O mínimo. Pra obter a permissão pra dirigir, Hermenegildo, parente de Eremildo, o Idiota, precisava fazer tudo de novo. Ou seja, todo o processo exigido pra quem vai receber a primeira habilitação. E claro, obrigatoriedade de cursar uma auto-escola, que agora virou Centro de Condutores. E claro, pagar. A mais barata, 630 reais à vista. Se não rodar em nenhuma das etapas. Ah, pode ser a prestação...
Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, diminuiu o leite, o café, o feijão, o macarrão, o frango, os programas de tv, os banhos... tudo pras despesas da casa baixarem um pouco mais. Conseguiu 100 reais de empréstimo com o patrão e deu a entrada pro tal CFC, o Curso de Formação de Condutores.
Exame de vista. Médico. Psicológico. De legislação... Mais 15 reais pro manual. "Vai faltar pro ônibus, mais é só dar uma olhadinha nos sinais e tiro de arrudeio", pensara... "Não?"
Não. Tem que fazer antes o curso. Integral. Regime de colégio exigente. Sem uma falta sequer. Cinco dias. Seis horas por dia. Quinze minutos de intervalo. Fora disso, pedir pra fazer xixi, leva bronca do instrutor. Pra ninguém sair antes de terminar a aula, é feito o registro da digital, três vezes, através do computador, on-line com o Detran. E dê-lhe dedinho. Antes de iniciar. No recreio. No final da aula.
Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, não perde o bom humor. "Jovem de 18 anos, não sente nada. Senhor sente tudo. Terminava a aula igual ao condor... De tanto ficar parado e encolhido na classe. " E a sensação de ter perdido horas de seu horário de descanso. Isto ele não disse. Também, não precisa!
Nove. Foi a nota de Hermenegildo, o parente do Eremildo, o Idiota, que não aprendeu nada de novo. Isto ele também não disse. A gente sabe. Primeiros socorros, ele tinha até a prática. Direção defensiva sempre foi a sua conduta. A média é sete. Abaixo disso, outro exame.
Nova etapa, aulas práticas. Mínimo de 15. Com duração de 50 minutos. "Não tem como pular esta parte? Dirijo mais da metade da minha vida..."
Biometria. De novo a resposta burocrática para o registro do dedão. Na entrada e na saída. Como Hermenegildo, parente de Eremildo, o Idiota, é cidadão que não contesta regras, lá se foi pras aulinhas de direção. Às vezes a pé, pra economizar o dindin do ônibus.
Primeiro dia, foi apresentado ao painel do carro, ao marcador da quilometragem, do óleo. Ao painel da temperatura. Da gasolina. Os piscas. Os sinais. As sinaleiras. A marcha de mudança. O freio de pé. O freio de mão. A embreagem... Não disse muito prazer, porque seu pensamento estava na maneira de encontrar um jeito de como conseguir grana pra pagar a luz de casa. Depois passeou. Passeooooooou pela cidade fervendo de calor.
No segundo dia fez a baliza. Entrou na garagem e saiu. De ré. De frente. Parou na descida de uma rua, pra puxar e soltar o freio de mão. "Sem deixar ir pra trás, heim" - alertara o instrutor. Tudo rapidinho, como era de se esperar. Então... passeou. Paaasseooooooou pela cidade fervendo, até completar o horário.
No terceiro dia, repetiu tudo e... paaasseooooou. Passeooooou. Passeooooooou, pela cidade fervendo de calor.
No quarto, andou por trânsito mais movimentado e... paaaasseoooou, paaasseooooou. Paasseoooooooooooou, pela cidade ensolarada. Fervendo de calor.
No quinto, conseguiu apenas fazer o registro do dedão no início, do que seria mais uma aula e após as três horas, a impressão digital finalizadora. Pronto estava concluído o processo de habilitação! Não, ainda faltava pagar 3 reais e 5 centavos, taxa que o Detran cobra da auto-escola para cada aluno que utiliza-se do sistema biométrico, ou seja, a marca do dedão! Isto na mais "democráticaespontâneapressão", já que é obrigatório... Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, não sabia deste extra. Pagou com o dinheiro do ônibus. E foi a pé pra casa.
Ufa, no dia do exame, dois após a conclusão do curso, Hermenegildo é óbvio, reviveu um passado distante, quando tirou sua primeira habilitação. Tremia feito vara verde, igual aos seus atuais 400 colegas candidatos que aguardavam a sua vez, no pátio do Detran. Nos tempos atuais, sem qualquer emoção, se achava ridículo.
Mais ridículo se achou, quando ao sair da baliza, o último obstáculo da prova, ouviu a cara autoritária e soberba da instrutora do Detran gritando: você tá reprovado! Encostou a roda na calçada!!!!
"E não pode? Então tá, eu estaciono de novo. Tenho ainda mais de 3 min................" Não! O senhor tá reprovaaaaaaaaaaado! Regras são regras!
Ao olhar o candidato da frente, que suava em bicas pra colocar o carro no buraco destinado ao estacionamento, Hermenegildo, parente do Eremildo, o Idiota, pensou rapidamente. Parar o trânsito atrás, devido a manobra em fila dupla pode.

Tóin, tóin,toin, tóin...Um barulho forte e uma sirene estridente fizeram Hermenegildo, o parente de Eremildo, o Idiota, voltar à realidade: o instrutor acabara de bater o carro na carcaça do pára-choque da frente, usado pra formar a baliza. "Queria engatar a primeira e engatei a ré! Acontece, né", disse desconsolado.
"É... ele estaria reprovado!" - completou a instrutora, mais vexaminada.
Hermenegildo, o parente do Eremildo, o Idiota, não sabia se ria ou chorava, diante da patética cena. Não tinha jeito, o negócio é enfrentar o novo "antigo" processo de correr atrás da grana. E do tempo. Outro exame, após 15 dias. Taxas e mais o mínimo de três aulas, 210 reais. No caminho de volta pra casa, ele sentiu as lágrimas escorrerem por um bom tempo do trajeto.
Só depois de um mês e 26 dias, Hermenegildo, o parente de Eremildo, o Idiota, conseguiu iniciar as aulas. Tempo que levou pra juntar os 100 reais, necessários pra dar início ao processo: 53 reais, a taxa obrigatória para o Detran, mais 47 reais, a primeira parcela de três, pra auto-escola.
Hermenegildo, o parente de Eremildo, o Idiota, conseguiu, finalmente a sua segunda carteira de motorista, após um longo e tenebroso processo. Exatos cinco meses e 22 dias e 870 reais mais pobre.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Futuro Beach Paula...

Ela chegou logo após o ano novo. Da California. Pra Praia do Futuro. Com conexão no Rio. Ela e seus cabelos loiros desalinhados. Cara lavada. Pele de neve. Bermudas de aventura. Atentos olhos azuis. A gringa incorporada de brasoca!

Veio ver de perto o que lia no blogue. Desde o primeiro texto. A praia e seus pesonagens. Com o auxílio de dicionários e amigos brasileiros, moradores em sua cidade americana. "As gírias é que me derrubam", confessou no seu português arrastado e bem evoluído.

Papo pra lá. Papo cheio de expectativas pra cá. O coração tomado de referencial apaixonado da semana das noites e manhãs cariocas. Do acolhimento familiar de amigos-irmãos. Batidas mais do que perfeitas! Fortaleza teria chance?

"E o velho Buck?- me perguntou ela, de relance, bebendo alegre a sua cervejinha, na mesa de uma das barracas da praia, ao som da bossa de Jobim. Gostei muito dele. Ele ainda tá por aqui? E a cearense italiana... de silicone no bumbum? Adorei a menina batalhadora que alugava raquetes...

Na última sexta-feira, dia em que Paula se despedia de Fortal, quando nos encontramos, novamente, esqueci de lhe perguntar se havia cruzado com os já tão íntimos personagens conhecidos da minha-praia.

O que importa é que ela estava feliz! Descontraída. Bronzeada. Roupas coloridas. Livre. Leve. Solta. Uma verdadeira moradora da praia. Prometendo voltar pra ficar! Desfecho mais que perfeito!

Paulinha, nova personagem da praia! E muitas histórias pra contar!