terça-feira, julho 05, 2011

Sandra e Letícia


A manhã era de sol. Amena. Típica dos verânicosoutonos de Porto Alegre. Benvinda, depois de um verão escaldante e sufocante. Como em todos os verões portoalegrenses. Mas o interior da gente era frio. Muito frio! Contrastando com a conformidade diante das vidas que se apagam. Um cinza indescritível, como se fosse uma imensa ressaca, após grandes momentos de alegria e felicidade. Tempos que marcaram os encontros de família.

Já não somos muitos. Como fomos um dia. Pai, mãe, irmãos, cunhados. O tempo foi minando seus alvos. Como num impotente videogame de peças marcadas.

"No primeiro banco em frente ao gasômetro... aquele mesmo..." Foi a senha do telefonema. Mensagem comunicada na tentativa de um tom de voz normal, para o encontro da derradeira despedida de uma energia pulsante, jovem e ativa.

Aquele mesmo. De sete anos antes. Num dia de primavera. Novembro. De sinistros marcantes. Emoção à flor da pele. E uma dor indescritível roendo pelo corpo inteiro. A escolha da pedra, adiante da margem do rio Guaíba.

Rio, que passava na frente de sua casa e que foi uma das primeiras paixões da criança linda e esperta. Cenário do início de uma vida baseada na generosidade, determinação, amor e ética. Paixão fiel. Mesmo que o destino a tenha levado pra lugares nem tão distantes, mas imennnnnnnsamente longe, na visão de quem ama a sua terra.

Respeitando sua vontade. Como ela profetizava. Suas cinzas jogadas sobre o Guaíba.

Entre risos e lágrimas, cumprimos a sua dolorosa determinação. Ficaram as lembranças de uma irmã, mãe, mulher inesquescível. No ar... E nas roupas, que o vento soberano tratou de nos deixar como um último legado de entranhas de amor.

A foto fala por si. Com a mesma emoção, espalhamos as cinzas, no exato local da despedida de quem deu a vida à menina, linda, diferente, incompreendida pela ignorância de alguns, mas amada por muitos que lhe foram íntimos.

Acho que era início da tarde, de um dia de maio, de 2011. Se não me engano, sábado. A vida continuava seu rumo. Adultos, crianças e bicicletas, sons que se misturavam alegremente no parque.

Sentamos, nós quatro, em um outro banco qualquer, na frente de um quiosque qualquer. A necessidade de água, indicava que ainda tínhamos vida. Olhamos em frente. Ao lado, um grupo de pagodeiros cantava feliz.