quarta-feira, junho 25, 2008

Serenidade e caráter

Entre os momentos mais gratificantes de minha vida de repórter em Brasília, era quando ia cobrir alguma matéria da qual a dona Ruth Cardoso - era assim que ela gostava de ser chamada - estava presente. Fazia bem à alma. Não só pela sua discreta elegância paulista no vestir ( e sempre me lembrava da Rita Lee, quando a via). Rosto firme, quase tomado por grandes óculos, que escondiam olhos escuros e... sedutores. Mas pela serenidade. Sua grande aliada na trajetória pública e privada.

Ignorava com altivez as fofocas previsíveis. Não por feminismo, no qual foi uma das precursoras, ao fundar um instituto sobre o tema, na USP. Sem demonstrar a fraqueza de esposas dominadas, enfrentou com doçura deslizes quase inocentes do marido Presidente. E foi assessora de peso de FHC, desde a época em que era senador.

- Temos nossas divergências, muitas vezes, no campo político e pessoal, mas nada que comprometa nossa harmonia - declarou certa vez numa longa entrevista tipo ping-pong, que fiz com ela, para o Jornal de Brasília, na época de primeira-dama. Em determinados assuntos, alguns políticos preferiam a visão dela: - agora só sigo ordens da dona Ruth, costumava dizer o então ministro José Serra.

Com serenidade, sorriu docilmente, ao ouvir agressões verbais, de uma carola, que protestava fanaticamente contra o aborto, em 1997. Foi na saída de uma reunião com a bancada do batom, como eram conhecidas as mulheres parlamentares, em uma das comissões da Câmara. Firme nos argumentos, dona Ruth defendeu a aprovação da lei que regulamenta a realização de abortos legais em hospitais públicos. Mesmo sabendo que receberia uma enxurrada de protestos dos padrecos considerados autoridades religiosas deste país.

Com a mesma serenidade e simplicidade, deixava fluir o seu humor: - só se eu também entrar na fila, aceito o chá que você tá oferecendo - disse ela baixinho, durante uma reunião do Comunidade Solidária, entre parlamentares e jornalistas, na lanchonete do Ministério das Relações Exteriores.

Com serenidade, a professora Ruth Cardoso, personificou as palavras dignidade, discrição e caráter. Aliás, como foi a sua morte.

segunda-feira, junho 23, 2008

Relações p...sicooopatassss...

O ésseoésse na caixa do mail poderia ser assustador não fossem os antecedentes infantocarentesexistenciais ocorridos nos últimos tempos de relacionamento entre Geni e Renato. A mensagem até que tocou o coração ligth de Renato: " SOS, me relacionei com um psicopata! " Mas ao mesmo tempo, ele se perguntava -, em que século estamos? E por quê não cai fora? Quarenta e cinco anos de estrada! - Logo, uma conclusão - Patologia atrai patologia...- Horas depois sua caixa foi "contemplada" com uma série de mails sobre a amizade.

O primeiro impulso foi vestir uma capa de super-herói e levar carinho e proteção. - Pôrra, é minha amiga, cacete! Não custa nada mandar mensagens de auto-estima, pra vê-la sorrir - questionava ele.

Abriu o seu orkut e procurou a página da Geni, que ele havia criado, há cerca de um ano, quando os dois já eram apenas bons amigos. O namoro, de poucos meses, tinha terminado há mais de 8 anos. - Cuidado, cara, sinto uma certa obsessão - diziam conhecidos mais próximos. Achava bobagem. No mês passado, foi surpreendido às duas da madruga, com um telefonema de Geni, arrastando a língua de tão bebum. "Ôôô, caa...aa..ra, tôô... t..e liii...gannn..do praaaa...diiizer quuueee...euu tôô... muuuuuuui..to feliiizzzz.....Eeeennncontrrreiii ooo...ho..o...memmmm daaa miiiiinha viiidaaaa. Tôôôô...em lu..aaaa... deee meeeel...

- Legal, parabéns Geni, você merece- Antes de terminar a frase, Renato ouviu o plim plim caraterístico. Voltou pra cama. Contou pra sua mulher. Ela riu, antes de avisar: - é melhor desligar o telefone, porque a noite vai ser longa... - Nada. Besteira- respondeu ele.

-Alôôô, Renato, quem fala é Paulo - ele mal havia dormido - eu sempre te admmmiiirei... até adicionei você... o qqquero te dizer é que a Geni agora tá casada comigo. Nóóó..s nos amamos e... - Alôôôôô, Renaaaaato, olha euu teee odeiiiio - era Geni, interrompendo a ligação de Paulo - ooolhaa aquiii...voooocêêêê...se...e..m...pre me enganouuuu....nuuuuuunn...ca goooostou deee miiim e.... - pode parar Geni - era Paulo, de novo, tirando o fone da mão dela, irritado - descobri agora que você ainda ama o Reeenato... Plim. Plim. Plim. Plim...

Desta vez, Renato obedeceu a mulher. Desplugou o telefone. No dia seguinte, ele recebeu o telefonema com as desculpas de Geni.

Bem, voltando a parte anterior da história, o orkut... Renato riu ao lembrar que Geni o havia deletado da relação de amigos, logo em seguida ao vexame. Foram duas vezes. A primeira, ela excluiu tudo. Quando refez o endereço, o deixou de fora. Não por muito tempo. No outro dia, Renato recebeu um telefonema do namorado da Geni. Agora sóbrio. - Quero te dizer que eu "autorizei" a Geni a colocar você de novo na página dela do orkut.

Geni mandou dezenas de recados, saudando a amizade. Dois dias após, Renato não estava mais.

E assim passaram-se os dias. Geni, como jogadora novata, continua espiando o orkut de Renato. Às vezes, brinca de amiga. Às vezes, pede socorro.

- Ah, um dia ela aprende - desejou Renato.


sexta-feira, junho 20, 2008

Lixo da Praia

Ednilton. Ou Edilton. Ninguém sabe ao certo o nome dele. Que importa?
Pé de cana. Ou sofredor. Pelo menos, era assim que muita gente o chamava, logo que apareceu na praia.
E pelo óbvio. Pé de cana, porque vivia com uma garrafa de cachaça na mão. Sofredor, porque estava sempre com a surrada camisa do Flamengo no corpo, que já parecia fazer parte de sua pele. - É por isto que eu bebo, dizem que o mengo só apanha... - dizia ele, nos raros momentos de sobriedade, mostrando seu senso de humor.
Na verdade, o time que ele gostava mesmo, era o Corínthians. -Uso esta camisa, porque foi a que me deram... - dizia.
Ednilton, ou Edilton, morava na praia há mais ou menos uns 10 anos, segundo os mais antigos moradores da Praia do Futuro.
No início, dormia na areia. Muitas vezes, era acordado por um PM, quando o sol já estava alto e logo retirado de cena, através de uma viatura.
No outro dia, lá estava ele, no mesmo local. A polícia desistiu e os frequentadores da praia também. Ninguém mais reclamou dele. Também não ganhava mais comida.
O negão forte de antigamente tava só carne e osso. Fedendo a pinga.
Nos últimos tempos, descobriu uma barraca abandonada e fez sua morada.
Sua cama era uma caixa de papelão desmanchada. Que ele dividia com um viralata. Assim como um pedaço de pão carioquinha, resultado dos trocados que ele recebia de algum motorista pra cuidar do carro, antes de ser expulso da área, por outros guardadores.
Um dia, ele acordou com barulho de pedra e sacos de cimentos sendo descarregados. A barraca ia ser reconstruída.
Pegou seus trapos e os levou pra parede, no lado externo. Bem à vista das pessoas que passavam pra entrar na praia. Elas mudaram de percurso.
No mês passado, logo no início da manhã, Pé de cana acordou com uma forte dor no estômago. Tonto e cambaleando foi direto pro mar. Ouviu ainda, as gargalhadas e gozações de um grupo de jovens, que caminhavam pela praia. Se debateu com as ondas, por várias horas, até sentir um alívio.
De repente, a escuridão.
Depois de vários dias de chuva, o céu azul e o sol forte fizeram a praia voltar à sua rotina de eterno verão.
Na barraca, recém inaugurada, o funcionário varre a areia misturada com papelão, conchinhas quebradas e pedaços de ossos. - Foram deixados pelo cachorro viralata que dorme neste lugar - pensou ele.
Numa lata, dentro de um saquinho plástico, ele achou uma carteira de trabalho totalmente rasurada, em nome de ... ?... Ednilton? Ou Edilton? Que importa?
Colocou no lixo.