segunda-feira, dezembro 22, 2008

Sapatos... Tênis... Sandálias...

Ao invés de bombas. Sapatos. Ao invés de atos terroristas. Sapatos. Ao invés de tiros. Sapatos. Ao invés de comícios. Sapatos. Serve tênis, sandálias... É bom evitar as de salto agulha...

Fáceis de passar pelo bloqueio de seguranças. Fáceis de atingir o alvo. Fáceis de serem carregados. Não mata. Não destrói. Pode provocar ferimentos leves. Em quem sofre o ataque. E em quem está por perto, dependendo da higiene do protestante. O efeito letal é o vexame. De ser filmado e fotografado em pose patética, diante da tentativa de se livrar da sapatada. Que humilhação! Cena que será perenemente registrada para a história mundial.

Agora que descobrimos que o sapato pode ser o meio e a mensagem, políticos, mandatários de governo, salve-se quem puder, das sapatadas! Tenisadas! Sandaliadas!

A mensagem chegou um pouco tarde. Senão, no final deste ano, estaríamos também passando por uma séria crise mundial de calçados, se todas as autoridades políticas, judiciárias, policiais e religiosas levassem sapatados a cada declaração insana, cínica, injusta, mentirosa e arrogante que praticaram em 2008.

Hugo Cala-te Chaves. Na maioria das vezes em que abriu a boca. O presidente cubano Raul Panaca Castro, ao dizer quem em Cuba os direitos humanos são respeitados. O presidente chinês, Ching Não Shei das Quantas, pelo mesmo motivo. O papa Bento Inquisidor Preconceito Insistente Sexto, que não se cansa de incitar os religiosos de sua igreja contra os gays. A última dele, foi a de cassar os homossexuais, por não fazerem parte da cadeia ( sic!) criacionista.... Não é preciso nem entender de biologia, pra saber que o homossexualismo é comum em animais, tem explicação evolucionista e portanto, é parte integrante, da "linguagem da criação", a qual ele se refere. Ah, deve estar falando da historinha de Adão e Eva...

O presidente francês Sarkozy Cruel, foi outro sério candidato à sapatadas, tenisadas, sandaliadas. Por permitir às grandes empresas de produção de foie gras de seus país, a forma cruel de super alimentar os patos, através de máquinas introduzidas diretamente no fígado do animal, pra deixar seus fígados gordalhões. Um patezinho desta iguaria com pão e um vinhozinho... até que é mara! Mas não com tortura. Tortura não pooooode! Seria um sofrimento à menos aos animaizinhos, antes de serem devorados nas mesas sofisticadas.

O secretário de saúde do prefeito César Maia, do Rio, é outro que escapou. Ao ser indagagado se o turismo da cidade seria diminuído em função da epidemia de dengue, teve a cara de pau de negar, afirmando que a doença só atingia os moradores da zona norte carioca... O presidente do Congresso e do Senado, Garibaldi Despudorado Alves também merecia uma sapatada voadora. Por ter agido na calada da noite, quando todos os gatos são pardos e colocado em votação - e aprovando - com os demais senadores, o projeto que cria mais de sete mil e 300 vereadores no país! Ou seja, em plena ameaça de recessão, nada mau gastar dinheiro público!

Sapatilha rosa e com lantejoulas, pra ficar mais provocativo. E na careca! Seria o presente de Natal perfeito para o presidente do Fluminense, Roberto Hilário Horcades. Ao apresentar o novo treinador de seu time, demonstrou toda a potência intelectual, afirmando que o técnico conseguiu fazer com que as mulheres da seleção brasileira, com dois neurônios, chegassem a vice-campeãs mundiais... Será que ele tem neurônio?

Tem mais. Ah, muito mais. A lista é grande. E eu já enchi o saco! Aliás, vou ver se a sandália que pedi ao Papai Noel já está embaixo da árvore...

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Identidade preservada

Edilane Ferreira Vintelli. É o nome dela. Tem 26 anos. Cearense de Ubajara. Onde está situado o menor parque nacional do Brasil, segundo a entidade de turismo do estado. Região de grutas e cavernas. E terra de sua mais famosa conterrânea, Florilda Bulcão. Ou Bolkan, pros nativos esnobes. Mesmo sem saber da real história de vida de Florinda, seguiu trajetória parecida.
Edilane veio parar em Fortaleza, aos 17 anos, por força das circunstâncias existenciais. Dela. Noiva, desde os 17 anos, sentia arrepios em ter que viver igual a sua mãe. Roceira e cheia de "cria". Com a licença de garantir um batonzinho vermelho, no final de semana, no forró da Baixa.
Numa segunda-feira, propôs se mandar pra capital, com o futuro marido. Ele topou. Às quatro e cinco da manhã. Ao invés do caminhão coletivo que os levariam à capina, eles tomariam o rumo da estrada. O noivo amarelou. Edilane foi em frente. Apostou na rima. Pegou carona num caminhão diferente. Com placa do sul.
Ao contrário do previsível, ela não foi "bulida", como diz o matuto cearês. O motorista foi legal. Deixou Edilane na entrada da cidade. E ainda lhe deu cinco reais. Com os 40, do trabalho semanal, dava pra aguentar, até ela encontrar um novo trabalho. Pegou outra carona. Com um ciclista, segurança de um prédio em construção, na praia de Iracema.
Lá se enturmou. Aprendeu a fazer colar, com um artesão amazonense. Se apaixonou por um vendedor de picolé, que trabalhava na Praia do Futuro. Virou figurinha fácil do pedaço. Conheceu um italiano. Se mandou pra Florença com o gringo. Casou. De aliança e tudo.
Quem diria! Aquela canelau, feito cão chupando manga, cabelo enroladinho, voz miúda, cheia de gastura, arrudiô... Virou quase um mulherão! Comentava o antigo vendedor de coco da região. Nariz empinado, dona de si, tipo "tô pagaaano!" - ela exibia, ontem, seu lay-out de primeira-dama, na barraca mais chique da praia. Cabelão loirão, unhas bem tratadas, bundão siliconado!
- Fala mulher! Como foi que você fez isso? - Era a mulher do dono da barraca. Várias vezes a tinha expulsado da área, por vender doces caramelados, quatro reais mais baratos que os do restaurante. - Vaaaaaalha-me deus, não é que ficou bom! - exclamou a fisioteraupeta, assim que se desvencilhou do cliente, correndo pra perto da dona do pedaço.
Vai e vem, a mulherada, que já formava um grupo, acabou levando Edilane pra toalete. - Doeu? Quantos milímetros? Tá durinho mesmo... Quanto tempo de bunda pra cima? Quanto você pagou? Pera aí, que vou buscar o meu marido. Ele tem que ver isto... Ele pode apalpar? Não se preocupe, eu confio nele, disse antes de sair agarrada com o dito, levando o cartão do cirurgião italiano.
De volta à mesa, Edilane decidiu que não sentaria mais. Pelo menos, até concluir o registro definitivo de sua identidade brasileira.

terça-feira, novembro 25, 2008

Operação abafa

Jornalista é um ser normal. Apesar de muitos creditarem o contrário. É claro. Há os puros e malandros. Como em toda a profissão. Ganhamos simpatia e antipatia. Principalmente das figuras públicas, que são nossa principal fonte e motivação.
Pra nós, não importa a referência social, física, o tipo de entrevistado. Tanto faz se pobre ou rico. Gordo ou magro. Celebridade ou não. Como impõe a "livre opção" da carreira, vivemos democraticamente.
Mesmo pobretões, nos acostumamos a frequentar ambientes luxuosos. Aprendemos, por força da rotina de trabalho, a conviver com mesas de quinhentos talheres, sem cometer qualquer gafe. Almoçamos caviar, quando mal temos grana pra comer uma quentinha, no dia seguinte.
Faz parte do cotidiano. A escala de matérias.
O inverso também acontece. Nascemos em berço de ouro. Cercados numa redoma. E mal saindo da faculdade, encaramos a miséria nua e crua das ruas. Das favelas. Da violência diária pela sobrevivência. Nos acostumamos a ver que o que importa não é a roupa de grife. A pirataria. O presidente de um país. O maior jogador do mundo. O marginal. O traficante. Mas sim, o ser humano, alvo do nosso diálogo. Os fatos deles gerados. E contra fatos, não há argumentos, reza uma de nossas muitas cartilhas.
Vivemos nos extremos. Porque desta forma é que a notícia rende. É a manchete que almejamos. Que nos dá identidade ao mundo. Nos sentimos como guardiões da verdade. Salvadores da moralidade pública. Poderosos.
Criamos intimidade com ambientes que não são nossos. Às vezes, endurecemos. Nos revoltamos contra a vida. Modificamos nossos valores. Esquecemos da nossa ética.
A lembrança do ser jornalista, me veio neste fim de semana, após um papo com um colega da mídia brasiliense de longa data. Figura ativa na cobertura do momento, a operação Satiagraha, que investiga crimes financeiros do banqueiro Daniel Dantas. Prato cheio, pra um romance policial. A questão central, a suposta rede de corrupção que protegia o banqueiro nas atividades criminosas de que é acusado. Aí, que a vaca torce o rabo.
E dê-lhe confusão na opinião pública. E dê-lhe fontes má intencionadas pra embaralhar mais a rede de intrigas. Ligeirinho, muda-se o foco. Delegado titular é retirado do processo devido a um surto paranóico, por ter abusado da utilização do grampo telefônico. Se não fosse o grampo, não haveria o escândalo.
Em contrapartida, policiais federais declaram que o crime organizado está infiltrado em algumas instituições republicanas, de grandes poderes. O que envolve suspeitas sobre parlamentares, juízes e imprensa. Segundo inquérito de um delegado responsável pelo caso, documentos apreendidos durante a investigação confirma a existência de um "fundo" de 18 milhões de reais para o pagamento de propinas, incluindo jornalistas e empresários de comunicação.
Sinopse dos próximos capítulos : a tal da lista... sobreviverá? Ou terá o mesmo desfecho do dossiê dos aloprados... Assim batizado, pelo óbvio. Um bando de idiotas, diante da vitória iminente de Lula, espalhou à imprensa fotos de dinheiro que seria usado pra comprar um dossiê contra Alkmim, então candidato à presidência e cuja origem nunca foi revelada. Nem pelos próprios denunciantes!
No meio "jornalero", sabe-se que Dantas, desde que comandou o projeto de privatizações das telecomunicações, com ampla soberba, há mais de 10 anos, fez grandes admiradores na imprensa. Apesar de sempre envolvido em suspeitas de negócios pouco claros.
Os olhos, ou melhor, a leitura atenta fará a diferença neste episódio. Mesmo que o último não consiga apagar a luz! Ou, ficar na praia...

terça-feira, novembro 18, 2008

O velho Buk

O velho Buck. Talvez sem o K. Talvez sem o C. De qualquer forma, as duas letras não alteram o sentido. Também, não se sabe se ele teria adotado o nome na assinatura. Ninguém viu ele assinar algum documento, até hoje. Dizem que comprou a barraca de praia, na qual também mora, desde os anos 80, com dinheiro vivo. Cruzado, a moeda da época. E dólar. Todo mundo o chama de Buk e pronto! Ou melhor, o velho Buk.

O batismo do velho Buk, em Fortal, aconteceu quando ele aportou aqui na praia. E em grand- avant-premiere: afogado e desacordado. Não se sabe se da água do mar. Ou da pinga cearense. Sem documento, alguém arriscou um nome, Papai-Noel. Era parecido. Grande barba branca, barrigona e a cara vermelha. Não fosse a identificação mais apropriada, achada na areia, alguns metros à frente, dobrada quase em milìmetros, envolta em papel plástico, dentro de uma caderneta preta. Um texto escrito numa velha máquina remington:

"Como qualquer um pode lhe dizer, não sou um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me definir. Sempre admirei o vilão, o fora-da-lei, o filho-da-puta. Não gosto dos garotos bem barbeados, com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões. Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens borradas. Estou mais interessado em pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado pela sociedade".

Identificado, por algum intelectual, que formava a rodinha dos curiosos, a declaração de princípios tinha um autor, o escritor norte americano Charles Bukowski, registrada no seu mais famoso livro, Ao Sul de Lugar Nenhum, editado em 1973. Na época, teve gente que até achou tratar-se do próprio. Por pouco, não saiu a notícia no jornal O Povo. Melhor achar que é a dita reencarnação. Versão australiana. Origem confirmada, pelo próprio, dias depois.

O certo é que o velho Buk continua fiel aos seu padrinhos. E a seu ego. Ou alter. Quase sempre sozinho. Às vezes dorme dias, pra curar o porre. Sob o bailado de algum urubú. Às vezes dá uma de garçom, na barraca cantando "amanhã de manhã, vou pedir o café pra nos dois...", sua música preferida. Nestes dias de maré mansa, conta até piada, aproveitando expandir o seu repertório interminável de palavrões.

Ultimamente seu olhar anda nublado. Muitas vezes é visto chorando baixinho, sentado na beira do mar.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Lições na praia!

-Nem tão... Sabe que, apesar da tal crise que os barões vivem falando, por aqui ela não deu o ar de sua graça, ou desgraça, filha!

A resposta um tanto inusitada da vendedora de biquini justificou a sua disposição de todo dia andar quilômetros e quilômetros pela praia cantando Joelma e Martinho da Vila. Apesar do peso de sua sacolona e da baixa temporada.

-Puxa, mas é estranho, pra todos os vendedores que eu fiz esta pergunta hoje, todos reclamaram da falta de freguesia... Pronto, teve um que me vendeu há pouco, esta bicicletinha de, acho que feita de junco, mas bem acabadinha, pra colocar vasos de flores, em jardins, por 15 realzinho. E mais uma coca-cola! O preço mesmo era R$ 70. E se eu insistisse, ficaria por menos...

-Ah, filha - posso sentar aqui? - ( e já sentando...) tem gente que faz tudo errado, já "nasceram" brigado com a vida, como aquele tal do gringo mandão (?)... e só sabem reclamar. Se as coisas tão ruim, não adianta chorar e ficar reclamando. Lágrima paga comida? Lágrima paga conta? Paga nada! Nem cachaça... Eu tenho um cabra velho encostado lá em casa... depois que ele foi enganado pelo patrão, trabaiando duro no roçado por anos e anos, foi mandado embora como um cão viralata. Pegou uma tal de "depre... nsão", aí, essa doença de rico...! Agora só quer beber... E quem paga as pingaiarada toda? Tá filha, não vou ficar amolando com meus probema, mas é uma coisa que eu queria dizer pra tu, ainda bem que eu tenho esses biquini e essas canga pra vender! Faz quatro anos que faço isso e nunca fiquei um dia sem vender unzinho sequer... Por quê? Porque mesmo com o coração doído eu não fico chorando as miséria... Se não me derem o preço que vale, eu baixo, as vezes fico até sem o lucro. Vendo pelo preço que comprei, quando um dia tá ruim... Só pra não dizer que passei em branco. Como este aqui, ó, que comprei por sete e sai por vinte. Agora pouco, uma madama pagou R$ 30 real e nem chiou... Tem que saber vender. O dia que tiver negativo pra essas roupa, eu vendo lenço, até de papel! Então tá, bom dia, filha. Boa praia!

-Brigada. Boa sorte! Vá pela sombra...

Ainda com o "é devagar, é devagar, é devagar, é devagar, devagarinho", como trilha sonora da brilhante lição sócio-econômica-popular, fiquei pensando naquela batida frase das aulas iniciais dos cursos de marketing, como opção de crises financeiras: alguns choram e outros vendem lenços!

Simples assim. Não é preciso estudar tanta teoria, pra saber que a prática mais certeira vem de onde aperta o bolso. Ou o coração...

sábado, outubro 11, 2008

Prova da Vida

"-Ei, cabra, olha só, agora voltei a ser um cidadão!" -

A alegria de Ronivon Santiago Pereira, mais conhecido como Marginal Tatoo, por ganhar a vida fazendo tatuagem temporária na praia, parecia não ter fim, neste sábado. Depois de dois anos e seis meses, de espera, finalmente, ele tinha motivo suficiente pra empunhar a sua carteira de identidade como uma bandeira.

No último dia de aula, aos 15 anos, ( hoje tem 17), ao invés de voltar pra casa, pegou um ônibus e se mandou pra Taíba. Cidade distante cerca de 50 quilômetros de Fortaleza. Lá mora uma amiga. A única pessoa que ele tinha falado sobre a viagem, foi sua mãe. Que tem problemas de surdez. Ronivon tem cinco irmãos menores. O pai, pescador, completa a família.

No outro dia, a notícia se espalhou pela Praia do Futuro, especialmente no Serviluz, onde morava. Ronivon morreu! De tanto apanhar! Parece ter sofrido um assalto, dizia o amigo, que encontrou o corpo, há poucos metros de sua casa, semi decomposto. Sua mãe, que disse ter recebido um aviso, " um forte arrepio de frio, no momento em que ele estava chegando da escola", reconheceu o corpo no IML.

O enterro foi rápido. E agitou a comunidade. Uma semana havia se passado e as pessoas não conseguiam esquecer a perda repentina de Ronivon. Uns diziam que ele fora morto por uma quadrilha, por não ter pago 100 gramas de maconha, que estava devendo há vários meses. Outros garantiam ter sido vingança de um colega de escola, que ficou despeitado por perder a namorada pra ele. Tinham tanta certeza disto, que dois dias depois do velório, destruíram portas e janelas da casa do suposto assassino.

É óbvio. Teve até um pastor, que foi visitar a família. Disse ter recebido uma mensagem de Ronivon. Estava sofrendo muito. Devido aos inúmeros pecados cometidos durante sua curta existência. E por não ter temido deus, quando vivo. Pediu - via pastor - que toda sua família frequentasse a igreja dele. E que fizessem o possível pra colaborar com os "homens de Jesus". Só assim, ele encontraria o caminho da paz.

Quando Ronivon chegou em casa, depois de duas semanas de férias, não imaginava a baita dificuldade que iria encontrar no seu caminho pra provar que estava vivo. Só não apanhou, de fato, porque sua mãe afirmou não ter ouvido bem, o recado...

quinta-feira, outubro 09, 2008

Prefeita Luz!

Deu a cara de Fortaleza! Livre. Leve. Solta. E bela!

Enfeitada com um discreto piercing no nariz. Índia de alma. Rainha. Da polis. Da política. Da vida.

Solar quase sempre. Às vezes, chuva. Às vezes mar. Em calmaria, quando o tempo ajuda. A grana basta, a equipe anda.

Bravio... quando o tempo muda. A harmonia desanda. A imprensa bate. Tempestade que na cidade, só combina na rima. Dura pouco. E passa, sem grandes estragos. Previsão sempre de tempo bom. Mais quatro anos. De cara limpa. De sorriso largo. De festa no fim do ano!

E de prima. No primeiro turno. Pra não deixar dúvidas à mesmice.

Menina-mulher. Guerreira nas posições. Solitária de partido. Acalentada pelo povo.

Deu a luz! E fez-se Luizianne cidade!

sexta-feira, setembro 19, 2008

Amor Bandido

A bronca espalhafatosa da companheira no homem que caminhava ao seu lado, após a passagem da moça de fio-dental, até poderia ser encarada com naturalidade, não fosse uma certa peculiaridade: a idade avançada do casal.
O passeio dos dois setentões, em véspera de oitentinha, diariamente pela praia, sempre chamou a atenção devido a demonstração de carinho entre eles. Especialmente dela, Flora. Coroa bonita. Cabelos pintados de loiro. Unhas sempre bem feitas. Dentes implantados. Corpo bem cuidado.
O oposto de Adolfo. Juiz aposentado. Careca. Barrigudo. Desleixado. E gordo! Parecia bem mais velho que ela. Ah, e "brocha", segundo confissão de Flora, a uma amiga fofoqueira, que muita gente entendeu como estratégia feminina...
Coitado do Adolfo! Como pena com os ciúmes da companheira! O artigo primeiro do código de Flora, era nunca deixar o Adolfo ir à praia sozinho! Cervejinha no final de tarde com os amigos, na barraca da frente, lá tava a Flora, como carrapato vigilante. Única mulher no meio de um grupo de homens... Um deles conta que quando o celular do Adolfo toca, é ela quem atende antes.
Se for voz masculina, fica literalmente grudada no ouvido dele, pra confirmar se é recado de alguma "raaaapariga", como fazia questão de registrar. Ou a própria, que usou alguém pra ligar. Imagine uma voz feminina...
De novo: coitado do Adolfo!
Às vezes, no espaço livre das quatro paredes do bem decorado apartamento à beira-mar, que ele comprou pra curtir a paz de sua velhice com a amada e fiel companheira, ele reagia. Segundo os vizinhos, falava grosso. Dizia que ia embora, morar com a filha em Miami. Ou com o filho, em Barcelona. Beeeem longe. Os dois não aguentaram as queixas da mãe e se mandaram.
Já o Adolfo... Dava tudo no mesmo. Se separar do maridão resultava em tragédia maior. Chorava dias e noites. Ele desistia. Pedia desculpas. E voltava a enfrentar sua triste sina de amor bandido...
Outra vez: coi-ta-do do Adolfo!
De tanta patrulha e vergonha dos amigos, Adolfo não saia mais. Passava tardes e mais tardes olhando o mar, da varanda do ap. Flora do lado. Fazendo quitutes. E servindo uísque.
Houve um tempo, em que ela chamava os amigos. Dos quatro e cinco casais constantes, foram rareando, até sumirem do mapa. Culpa da Flora.
A alegria também sumiu do rosto de Adolfo. Começou a emagrecer. Sentia dor de cabeça frequente. No estômago. Na perna. No dedinho do pé. Que era escaldado todo o dia, com o maior carinho, por Flora. Não via mais o Jornal Nacional. Às vezes, lia. As inúmeras bulas de remédio.
Hoje, Adolfo acordara mais disposto, resolveu voltar a caminhar na praia. Depois da bronca de Flora e da inocente passagem da menina de biquininho, emudeceu de vez. Chegou em casa, tomou um banho. Bebeu um pouco da água de uma latinha que tava embaixo da pia. Deitou na cama. E sumiu de vez!
Santo Adolfo!

quarta-feira, agosto 27, 2008

Rumo incerto

O lugar era de tirar o fôlego! Um dos mais belos que Toni encontrou, durante a sua viagem de bicicleta, sem destino. E que teve início há mais de cinco meses, quando perdeu Lara, amor e grande companheira de sua vida. Mandou o cargo de executivo pras cucuias. Reuniu a família, pra anunciar que ia se mandar. Fechou o ap. E tomou seu rumo. Com a bike e a roupa do corpo. Ah, claro, o cartão de crédito. Escondido dentro do tênis.

Dormia ao relento. E em pousadas, quando não havia jeito! Passou por vales. Montanhas. Cidades que nunca tinha ouvido falar. Mas a paisagem em que havia se deparado como uma miragem, à sua frente, era indescritível. Uma praia de águas tão claras, que pareciam jorradas de cristais. A areia tão branca, que lembrava neve. Um mar cercado por muros invisíveis...

Foi o que ele percebeu, ao tentar se aproximar. Recebeu um choque tão potente, que o atirou longe do local onde havia parado. Ainda tonto, notou que havia uma aldeia, na beira da praia. "ÔÔÔÔÔÔ de caaaaaaasa" - gritou. Rapidamente, as pessoas sumiram. Em seguida, um grupo, formado por cerca de vinte homens, portando armas, apresentaram as boas vindas.

"Caaaallma. Sou de paz!" Toni percebeu que o novo grito, deixou o grupo transtornado. Ao invés de olharem na sua direção, avançaram pro lado oposto. Seriam cegos?

Não exatamente. Foi o que constatou, ao se aproximar dos homens. Depois de provar estar sem armas, mostraram à ele um pequeno espaço, que deveria representar uma porta, sem qualquer dispositivo eletrônico. Tomou água, que havia pedido. Sentou no chão, no centro da rodinha formada por eles. E foi inquirido de todas as formas. Apesar de nenhuma palavra ou gesto. Uma espécie de captação cerebral. Já suas perguntas eram recebidas com indiferença e descaradamente ignoradas. O grupo se desfez. Os homens foram pra um pavilhão, onde seria servido o jantar. Pelo menos foi o que ele deduziu. Ficou olhando de longe.

Fixou o olhar no mar. O mar cristalino... Decidiu mergulhar. Nú. Esta hora, à tardinha, estava ainda mais esplendoroso! Prateado! Límpido! Como a sua consciência, pensou.

Quando voltou pra aldeia, já vestido, sentiu uma estranha sensação de bem estar. Quis partilhar com os habitantes do lugar. Procurou se entrosar. Tentativa inútil. Foi totalmente rejeitado. Parecia que as pessoas não o viam. A não ser...

Mariah. Era seu nome. Nem bonita. Nem feia. Uma mulher comum. Mas com um incrível poder de sedução. Seus olhos falavam... Foi o que sentiu, ao ver seu olhar paralisado no dela. Sentaram na areia de neve.

Através do olhar de Mariah, Toni descobriu o segredo daquela gente. Não tinham cérebro! Se comunicavam pelo olhar.

Pelo olhar, Toni sentiu o carinho de Mariah. A maneira meiga, que falava, através do olhar. O beijo ardente. Sem tocar nos lábios... O corpo dela colado ao seu, sem um abraço sequer. Mas, há cada momento em que se sentia próximo de explodir em gozo, era contido.

Privilégio de casal! O prazer. Pelas leis de seu povo. Segundo a explicação de Mariah.

E assim passaram-se os dias. Toni, totalmente ignorado pela comunidade. Como um cão viralata. Mas amado por Mariah. Seus encontros eram cada vez mais frequentes. Apaixonados! E dolorosos. Quando Toni tentava encostar seu corpo no de Mariah, era repelido através de uma paralisia no coração. Que estranho poder tinha esse povo sem cérebro? Que o faziam escravo de seu próprio prazer? Logo ele, que achava ser superior. Por ter cérebro!

Marcou casamento com Mariah. Sempre protelado.

Aos prantos, depois de muita insistência dele, Mariah explicou o motivo. Ela estava sendo hostilizada pela família, por se unir a um homem ignorante e rude! Seu pai só iria permitir a comunhão, se ele também tirasse o cérebro! Uma operação delicada, mas os médicos da aldeia tinham condições de fazer a cirurgia.

Valia a pena. Pela foda. Por Mariah. Tudo valia a pena. Casariam. Teriam filhos. Viveriam ali. Naquele paraíso. Eternamente! Seriam felizes!

Era o que pensava, enquanto aguardava, sentado na sala daquela clínica veterinária, olhando o mar, a entrega da Clara, a nova labradora, escolhida pra ficar no lugar da sua brincalhona e inesquecível Lara...




segunda-feira, agosto 18, 2008

Objeto identificado





Quatro banhistas chamaram a atenção da praia, neste final da tarde de sábado: seguidamente, se levantavam de suas cadeiras praianas pra olharem algo no céu. Que ninguém, ao redor, via. Olhavam incrédulos. Em silêncio. Por poucos minutos. E voltavam a sentar.
Dois tomavam goles de um líquido amarelo em copos. Que parecia cerveja. Os outros dois chupavam canudinhos de alguma coisa parecida com côco. Verde. Depois, retomavam o papo. Parecia que falavam a mesma língua. O português? O gauchês? O minerês? Ou o inglês? Não dava pra afirmar, pois um garoto, mandado por sua mãe, pra perguntar o que eles tanto miravam no alto, recebeu risadas, como resposta.
O papo devia ser interessante. Pelos gestos e entusiasmo do grupo. Pena que o som das vozes era baixo... Ou será que eles emitem sons? Perguntou alguém da mesa próxima.
- Falam sim. Eu ouvi o cara dizer "es-ta-mos per-tos", quando rebolei pra entrar na água- respondeu um senhor, com uma menina no colo.
- Xiiii, pertos...? Pertos do fim do mundo? Pertos da invasão? Pertos da nave? - alguém pensou.
Será que são malucos? Ou ets? Mas ets comem camarão? E compram colares e pulseiras? E pagam? Com que moeda?
- Pagaram com real, eu tenho certeza, revelou o vendedor de artesanato, após ser parado pelo pessoal da mesa próxima. Agora, tem uma coisa avexada, prosseguiu, os olhos dos cabras parecem bolas de fogo. Por isto que eles não tiram os óculos...
A coisa tava ficando sinistra pro lado da turma dos dois casais, que resolveram se mandar da praia. Na verdade, moradores e turistas, que resolveram tirar uma onda diferente... Uma câmera mágica, fez o registro.
Mas houve gente que garantiu ter visto a turma embarcando num carro com luzes piscando, estacionado poucos metros acima do mar...

segunda-feira, agosto 11, 2008

Andres no país das maravilhas


Há mais de três anos, Andres Martin Santesteban, um espanhol bonitão, morador de Madri, dois filhos pequenos, 31 anos, recém divorciado após um casório de 10 anos, planejava passar suas férias desfilando seu corpaço, bem distribuído dentro do limite de um metro e 84 de altura, pelas praias do Nordeste.

Em 2006, passou quase o mês inteiro de agosto inativo, devido à uma operação de apendicite. Em 2007, a grana tava curta. Neste ano, juntou o dobro dos sete mil dólares, que pretendia trazer pra gastar no país. Se mandou, no início do mês. Lépido e faceiro. Coração livre, pronto à paixões e sonhos.

Hoje, bem cedinho, foi encontrado por surfistas e copistas, despido de suas roupas de grife, deitado na areia da praia, totalmente grogue.

"O gringo foi mais uma vítima do Boa Noite, Cinderela," disse um senhor aposentado, conhecido frequentador madrugador da área. Foi ele quem providenciou uma saída de banho para o espanhol.

O golpe é mais velho do que a história do chapeuzinho vermelho. Sujeito a gregos e troianos. A netinha inocente, que pode ser um muuuulherão ou uma menina com cara de adolescente, seduz seu enamorado em um bar ou uma boate, faz um monte de perguntas e, num momento de distração do coitado, coloca sedativos em sua bebida. Arrasta o dito a um lugar mais calmo e o depena como a um frango na mesa de esfomeados...

Segundo o espanhol, ele estava sentado na mesa de uma barraca GLS, quando surgiu uma paquera. Um homem. Mais ou menos com sua idade. Ele mandou um torpedo pelo garçon, convidando o malandro pra sentar. "Después no lo recuerdo más..." - explicou a um conterrâneo, que passeava pela praia.

Levado ao hotel de luxo em que estava hospedado, na beira mar, Andres ficou dois dias encerrado no apartamento, conforme o gerente.

"A pessoa que passa por este trauma, não lamenta apenas a perda de coisas materiais. Sofre um imenso sentimento de desilusão, medo e vergonha. Não consegue esquecer o perverso jogo de sedução. O que poderia ser uma noite de sonhos, vira roteiro de golpe ", me disse, certa vez, um amigo, que passou por algo semelhante.

Andres preferiu não fazer o registro na polícia. Pagou a conta. Antecipou a reserva da passagem de volta. Aliviado por não ter representado mais um número na triste estatística de mortos pela violência brasileira.

Andres acordou. Nunca mais vai dormir no país das maravilhas.

quarta-feira, agosto 06, 2008

Uma menina. E seu destino

Edneide, a menina que aluga raquete pra jogar frescobol com turistas na praia, cansou do tranco e tá procurando emprego "decente." Foi o que ela disse à um parceiro mineiro, no momento em que ele pagava os 5 reais, por duas horas de jogo. "Não dá mais esta vida, tenho quatro filhos pra dá de comê", respondeu ao moço.
Edneide - cujo nome junta o Edvaldo do pai e a Neide da mãe - era pra ser uma menina rica. Aos cinco meses tinha sido vendida à um casal de empresários italianos por 4 mil dólares. Fora retirada dos braços ou entregue pela própria mãe, à uma quadrilha de comerciantes de crianças, que agia com desenvoltura, no Ceará e Nordeste, desde os anos 80.
Viveu em Milão, até os dois anos, com toda a atenção de filha única. Na ocasião, a equipe de uma emissora sensacionalista de tv a cabo, italiana, descobriu a comercialização. Financiou as passagens de ida e volta dos pais de Edneide, deu o flagrante no casal e já na mesma semana, os três estavam de volta à Fortaleza. Com alguns presentes, incluíndo uma ajuda de mil e 500 dólares doados pela rede de tv.
Edneide hoje, está com cerca de 30 anos. Que mais parecem 60. Tem um sorriso triste, emoldurado por poucos dentes. Dois deles, perdidos após um das várias surras do pai, bêbado e desempregado.
Depois de alguns anos, ela saiu de casa. Já com dois filhos. De pais desconhecidos. Não fala com ele. Nem com a mãe. Neide diz que não quer ver a filha. "Nem pintada de ouro". Edneide acha que é ciúme do pai. Ela tem esperança de "fazer as pazes com a mãe", afirma com os olhos marejados.
A Praia do Futuro começa a escurecer. E esvaziar. Edneide, que já tomou o seu banho em uma das duchas destinadas aos banhistas, na parte de fora da barraca, passa o batom vermelho da Natura, que ela comprou de uma amiga.
Está feliz. Com os 5, vai conseguir levar pão e leite pros dois filhos, de três e quatro anos, que moram em um barraco de duas peças, quase no centro da cidade. Os outros dois mais velhos, moram na rua. Vai ter que ir a pé, porque a grana não vai dar pro ônibus.
Edneide, que mal sabe ler, já fez bico de tudo. Agora ela sonha em ser diarista.

segunda-feira, julho 21, 2008

Diante da Lei

Diante das decisões da justiça, nas últimas décadas, nada tão atual como Kafka...
Diante da Lei está um guarda. Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda responde que, por enquanto, não pode autorizar a sua entrada.
O homem considera e pergunta depois, se poderá entrar mais tarde.
- "É possível" - diz o guarda. - "Mas não agora!". O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre. O homem curva-se para olhar lá dentro. Ao ver a cena, o guarda ri e diz: - "Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara: sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".
O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar.
O guarda - tão bonzinho - traz uma banqueta e manda o homem sentar ao lado da porta.
Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar. Com suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios. - E a pátria, como vai? E a vida? Perguntas lançadas com indiferença, à semelhança dos grandes senhores, no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar.
O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre: - "Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste".
Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros Aquele homem é o único obstáculo à entrada na Lei.
Nos primeiros anos resmuga sobre a sua sorte, em alto e bom som . Depois, ao envelhecer, limita-se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil. Por fim, de tanto examinar o guarda durante anos, já conhece até as pulgas das peles que ele veste. Pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda.
Com tempo começa a perder a visão. Acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda percebe, no meio da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima.
Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz-lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo. - "Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda. - "És insaciável".
- "Se todos aspiram a Lei", disse o homem. - "Como é que, durante todos esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar?". O guarda da porta, percebendo que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte: - "Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou-me embora".
E fechou a porta.

quarta-feira, julho 16, 2008

Solange e a cartomante

Eduardo mal teve tempo de se levantar da cadeira próxima ao mar. Ploft! Caiu de cara nos seios siliconados de Solange, que caminhava pela areia.

- Poxa, desculpe - disse ela, com jeito de preocupada. Você é daqui? Conheço você de algum lugar...

Foi a cartomante de Solange quem cantou o esbarrão. Segundo disse ela ao recém conhecido. Coroa. Claro. Estrangeiro. Nem bonito. Nem feio. Rico. Muito rico. O grande amor da vida dela. Era a previsão.

O namoro de Eduardo e Solange já durava três meses, quando Solange descobriu o engano da cartomante. O muito rico.

- Não. O muito rico tá pra chegar. Ele é italiano. Ou Espanhol. Tem olhos azuis. Ou verdes. Loiro alto - garantiu a vidente, depois de receber o cheque pré-datado, referente aos préstimos mensais. A consulta de Solange com a cartomante era semanal. Há mais de 2 anos.

O longo tempo já era garantia de visitas duas vezes por semana, quando Solange estava muito angustiada. Fazia parte do pacote.

Também tinha vezes em que Solange não conseguia grana para o pagamento. A cartomante abria uma exceção. Fazia parte da amizade capitalista. Tudo pago com a pensão do pai de seu filho. Um empresário italiano. Que vinha quatro vezes ao ano, no país.

Antes de terminar com Eduardo, Solange já tava de olho no turista alemão. Com todas as características dadas pela cartomante. Olhos azuis. Alto. Lindo. E.. claro, tem jeito de rico. Muito rico.

Ela paquerava com o alemão há dois dias. Casualmente, um dia após a previsão da cartomante. Mas tinha um probleminha. Ele estava com a mulher.

O jeito era se aproximar do casal. Naquele dia, o terceiro da paquera, após o fora no Eduardo, Solange se produziu ainda mais, pro encontro com o seu futuro marido.

Renovou a chapinha. Fez depilação com contorno. Um coração formado de pentelhos. Na perereca. Chapelão novo. Canga estilizada. Quase um vestido de festa.

As mesas próximas ao casal, estavam ocupadas, quando ela chegou. Esperou que os dois fossem pro mar. Sentou na mesa deles. Pediu desculpas com a maior carinha de pau de sempre. Se convidou pra ficar na mesa, enquanto... esperava alguma.

- Conheço você... de algum lugar... O alemão, que mal falava sim, em português, riu. A mulher traduziu. Era brasileira. De Curitiba. - Ele não, mas eu conheço você. Só não sei de onde - respondeu a mulher do alemão. Solange ficou intrigada...

Vários uísques depois, Solange já estava familiar. Chamou a mulher do alemão pra retocar a maquiagem no banheiro da barraca. Um tesão incontrolável mexia com sua cabeça.
Agarros e sussurros. Beijos calientes. Cangas no chão. Mãos em ação. Juras de amor...

Quase madruga. Garçon dormindo. Mesas recolhidas. Menos a do casal e Solange. Que não resistia ao sotaque "leite quente" da mulher do alemão...

-Tô apaixonada. Ela é o meu grande amor - dizia Solange, por telefone, à cartomante, logo que chegara em casa, quase de mannã. Como você disse. - É loira. Alta. Tem olhos verdes. Linda! E é do sul. Parece estrangeira... Esqueceu o "muito rica".

A mulher do alemão ficou em Fortaleza, quando o alemão teve que recomeçar a trabalhar. Em Frankfurt.

Era pra mulher do alemão se mandar pra lá, dois meses depois. Desistiu do alemão e da Alemanha, quando conheceu Alice. Amiga da Solange. Mulher de um colega do filho mais velho da Solange.

Solange sofreu. Chorou. Implorou. Contou tudo pros pais da Alice. Ameaçou ligar pro alemão. Mas a ex-mulher do alemão não se comoveu. Ficou com a Alice.

Hoje Solange tava na praia. Fazia um bom tempo que não vinha por aqui. Produzidésima. Procurava um cara ou uma cara, ruivos. Podia ser "meio-loiro". Ou "meio-loira". Olhos castanhos. Podiam ser, "esverdeados". Podia ser "quase alto". Ou alta. Podia ser "meio-calvo". Ou com cabelos pintados. Podia ser rico. Ou um pouco. Segundo as novas previsões de sua cartomante.

Desta vez, seria o verdadeiro amor de sua vida!

quinta-feira, julho 10, 2008

Alta Temporada

Os turistas, ainda branquinhos e fora de forma, que já fazem parte do cenário praiano destas bandas, pararam maravilhados pra esperar a jangadinha aportar na beira do mar.

Uochington, assim mesmo que se escreve, segundo ele próprio diz que foi registrado, há quase 20 anos, lá pros "costados" de Aracati, custou a acreditar na "ruma" de gente à sua frente. Olhou pra trás, ninguém se afogando...

- Macho... é eu mesmo - pensou com sua desbotada camiseta. Se soubesse desta recepção, teria ficado mais tempo no quase "alto mar" e enchido a tralha de pescado.

A tralha, é uma mini-jangada. Que só cabe ele mesmo e uma cesta pequena, onde coloca os peixes. Podia vender pelo dobro. Ou quem sabe o triplo. Mesmo assim, ele fez a festa, com seus peixes pingados, diariamente reservados aos moradores do bairro. Que hoje, ficaram sem.

- Podia faturar mais - alguém o lembrou, quando o povaréu se foi. Se cobrasse pelo direito de imagem, em função das inúmeras fotos que tirou, ao lado dos turistas.

- Cumé? E pode isso, é? - Perguntou interessado... - Seja que diabo de direito esse, amanhã vou melhorar a carga. Daqui pra frente, tudo é lucro - falou pro vendedor de côco, seu ex- vizinho de barraco. Hoje, ele mora numa casa de alvenaria, em um terreno invadido, que já tá vendendo por "15 mil real". Resultado do trabalho das três carrocinhas, espalhadas ao longo da praia.

O côco aumentou, ontem. Sem aviso prévio. De 1 real e 50 pra 2 e 30. Um caso de superfaturamento. Sem alarde. O pessoal de fora ainda acha barato. Cinquenta por cento! O queijo assado também. A cerv.......... iiiche!!!!

A alta temporada começou com o vento forte, característico da região. Bom tempo pra frescobol. Futebol. Handebol. Furtobol... Crianças alegres, brincando com energia redobrada. Cachorrinhos felizes com a abundância de pés diferentes...

Acho que vou diminuir as minhas caminhadas. Então... do limão, parto pras limonadas... É bom também!

quarta-feira, junho 25, 2008

Serenidade e caráter

Entre os momentos mais gratificantes de minha vida de repórter em Brasília, era quando ia cobrir alguma matéria da qual a dona Ruth Cardoso - era assim que ela gostava de ser chamada - estava presente. Fazia bem à alma. Não só pela sua discreta elegância paulista no vestir ( e sempre me lembrava da Rita Lee, quando a via). Rosto firme, quase tomado por grandes óculos, que escondiam olhos escuros e... sedutores. Mas pela serenidade. Sua grande aliada na trajetória pública e privada.

Ignorava com altivez as fofocas previsíveis. Não por feminismo, no qual foi uma das precursoras, ao fundar um instituto sobre o tema, na USP. Sem demonstrar a fraqueza de esposas dominadas, enfrentou com doçura deslizes quase inocentes do marido Presidente. E foi assessora de peso de FHC, desde a época em que era senador.

- Temos nossas divergências, muitas vezes, no campo político e pessoal, mas nada que comprometa nossa harmonia - declarou certa vez numa longa entrevista tipo ping-pong, que fiz com ela, para o Jornal de Brasília, na época de primeira-dama. Em determinados assuntos, alguns políticos preferiam a visão dela: - agora só sigo ordens da dona Ruth, costumava dizer o então ministro José Serra.

Com serenidade, sorriu docilmente, ao ouvir agressões verbais, de uma carola, que protestava fanaticamente contra o aborto, em 1997. Foi na saída de uma reunião com a bancada do batom, como eram conhecidas as mulheres parlamentares, em uma das comissões da Câmara. Firme nos argumentos, dona Ruth defendeu a aprovação da lei que regulamenta a realização de abortos legais em hospitais públicos. Mesmo sabendo que receberia uma enxurrada de protestos dos padrecos considerados autoridades religiosas deste país.

Com a mesma serenidade e simplicidade, deixava fluir o seu humor: - só se eu também entrar na fila, aceito o chá que você tá oferecendo - disse ela baixinho, durante uma reunião do Comunidade Solidária, entre parlamentares e jornalistas, na lanchonete do Ministério das Relações Exteriores.

Com serenidade, a professora Ruth Cardoso, personificou as palavras dignidade, discrição e caráter. Aliás, como foi a sua morte.

segunda-feira, junho 23, 2008

Relações p...sicooopatassss...

O ésseoésse na caixa do mail poderia ser assustador não fossem os antecedentes infantocarentesexistenciais ocorridos nos últimos tempos de relacionamento entre Geni e Renato. A mensagem até que tocou o coração ligth de Renato: " SOS, me relacionei com um psicopata! " Mas ao mesmo tempo, ele se perguntava -, em que século estamos? E por quê não cai fora? Quarenta e cinco anos de estrada! - Logo, uma conclusão - Patologia atrai patologia...- Horas depois sua caixa foi "contemplada" com uma série de mails sobre a amizade.

O primeiro impulso foi vestir uma capa de super-herói e levar carinho e proteção. - Pôrra, é minha amiga, cacete! Não custa nada mandar mensagens de auto-estima, pra vê-la sorrir - questionava ele.

Abriu o seu orkut e procurou a página da Geni, que ele havia criado, há cerca de um ano, quando os dois já eram apenas bons amigos. O namoro, de poucos meses, tinha terminado há mais de 8 anos. - Cuidado, cara, sinto uma certa obsessão - diziam conhecidos mais próximos. Achava bobagem. No mês passado, foi surpreendido às duas da madruga, com um telefonema de Geni, arrastando a língua de tão bebum. "Ôôô, caa...aa..ra, tôô... t..e liii...gannn..do praaaa...diiizer quuueee...euu tôô... muuuuuuui..to feliiizzzz.....Eeeennncontrrreiii ooo...ho..o...memmmm daaa miiiiinha viiidaaaa. Tôôôô...em lu..aaaa... deee meeeel...

- Legal, parabéns Geni, você merece- Antes de terminar a frase, Renato ouviu o plim plim caraterístico. Voltou pra cama. Contou pra sua mulher. Ela riu, antes de avisar: - é melhor desligar o telefone, porque a noite vai ser longa... - Nada. Besteira- respondeu ele.

-Alôôô, Renato, quem fala é Paulo - ele mal havia dormido - eu sempre te admmmiiirei... até adicionei você... o qqquero te dizer é que a Geni agora tá casada comigo. Nóóó..s nos amamos e... - Alôôôôô, Renaaaaato, olha euu teee odeiiiio - era Geni, interrompendo a ligação de Paulo - ooolhaa aquiii...voooocêêêê...se...e..m...pre me enganouuuu....nuuuuuunn...ca goooostou deee miiim e.... - pode parar Geni - era Paulo, de novo, tirando o fone da mão dela, irritado - descobri agora que você ainda ama o Reeenato... Plim. Plim. Plim. Plim...

Desta vez, Renato obedeceu a mulher. Desplugou o telefone. No dia seguinte, ele recebeu o telefonema com as desculpas de Geni.

Bem, voltando a parte anterior da história, o orkut... Renato riu ao lembrar que Geni o havia deletado da relação de amigos, logo em seguida ao vexame. Foram duas vezes. A primeira, ela excluiu tudo. Quando refez o endereço, o deixou de fora. Não por muito tempo. No outro dia, Renato recebeu um telefonema do namorado da Geni. Agora sóbrio. - Quero te dizer que eu "autorizei" a Geni a colocar você de novo na página dela do orkut.

Geni mandou dezenas de recados, saudando a amizade. Dois dias após, Renato não estava mais.

E assim passaram-se os dias. Geni, como jogadora novata, continua espiando o orkut de Renato. Às vezes, brinca de amiga. Às vezes, pede socorro.

- Ah, um dia ela aprende - desejou Renato.


sexta-feira, junho 20, 2008

Lixo da Praia

Ednilton. Ou Edilton. Ninguém sabe ao certo o nome dele. Que importa?
Pé de cana. Ou sofredor. Pelo menos, era assim que muita gente o chamava, logo que apareceu na praia.
E pelo óbvio. Pé de cana, porque vivia com uma garrafa de cachaça na mão. Sofredor, porque estava sempre com a surrada camisa do Flamengo no corpo, que já parecia fazer parte de sua pele. - É por isto que eu bebo, dizem que o mengo só apanha... - dizia ele, nos raros momentos de sobriedade, mostrando seu senso de humor.
Na verdade, o time que ele gostava mesmo, era o Corínthians. -Uso esta camisa, porque foi a que me deram... - dizia.
Ednilton, ou Edilton, morava na praia há mais ou menos uns 10 anos, segundo os mais antigos moradores da Praia do Futuro.
No início, dormia na areia. Muitas vezes, era acordado por um PM, quando o sol já estava alto e logo retirado de cena, através de uma viatura.
No outro dia, lá estava ele, no mesmo local. A polícia desistiu e os frequentadores da praia também. Ninguém mais reclamou dele. Também não ganhava mais comida.
O negão forte de antigamente tava só carne e osso. Fedendo a pinga.
Nos últimos tempos, descobriu uma barraca abandonada e fez sua morada.
Sua cama era uma caixa de papelão desmanchada. Que ele dividia com um viralata. Assim como um pedaço de pão carioquinha, resultado dos trocados que ele recebia de algum motorista pra cuidar do carro, antes de ser expulso da área, por outros guardadores.
Um dia, ele acordou com barulho de pedra e sacos de cimentos sendo descarregados. A barraca ia ser reconstruída.
Pegou seus trapos e os levou pra parede, no lado externo. Bem à vista das pessoas que passavam pra entrar na praia. Elas mudaram de percurso.
No mês passado, logo no início da manhã, Pé de cana acordou com uma forte dor no estômago. Tonto e cambaleando foi direto pro mar. Ouviu ainda, as gargalhadas e gozações de um grupo de jovens, que caminhavam pela praia. Se debateu com as ondas, por várias horas, até sentir um alívio.
De repente, a escuridão.
Depois de vários dias de chuva, o céu azul e o sol forte fizeram a praia voltar à sua rotina de eterno verão.
Na barraca, recém inaugurada, o funcionário varre a areia misturada com papelão, conchinhas quebradas e pedaços de ossos. - Foram deixados pelo cachorro viralata que dorme neste lugar - pensou ele.
Numa lata, dentro de um saquinho plástico, ele achou uma carteira de trabalho totalmente rasurada, em nome de ... ?... Ednilton? Ou Edilton? Que importa?
Colocou no lixo.

quarta-feira, maio 21, 2008

Praia do "Futuro"

Ler jornal na praia é coisa pra maluco. Tá bom. Todo mundo sabe. Na impossibilidade, a gente cria. Ou recria. Notícias proféticas. Achadas num jornal abandonado numa cabine blindada de praia, do ano de 2036...

"Washington da Silva Júnior, de 15 anos, era uma promessa do esporte cearense. Após perder o pai, vítima de dengue hemorrágica e da mãe, acometida de virose desconhecida, ele carregava nos braços a esperança da família, para uma vida melhor. A prancha de surf. Tinha gente que já apostava numa medalha de ouro certa para o Brasil, nas olimpíadas de 2038, daqui há dois anos.

Trajetória frustrada. Hoje, de manhã, Washington morreu nas areias onde aprendeu a caminhar, depois de levar dois tiros do segurança de uma barraca, na Praia do Futuro. Pra encurtar o caminho, que estava acostumado a fazer todos os dias, ele decidiu pular o muro da barraca, ao invés de seguir os 3 quilômetros que restavam para entrar gratuitamente na praia pelo portão principal.

"Não sei o que deu nele, pra tomar uma atitude destas. Mas não tive como evitar", justificou o segurança João Ovelha, ainda abalado. Um representante da empresa Destroiers, da qual Ovelha é funcionário, disse que não há nada há fazer neste caso, já que o segurança apenas estava cumprindo o seu trabalho. O coronel PM, Augustus Mandado, chefe da equipe que fiscaliza a área, lamentou a atitude impensada do esportista. Ele aproveitou para alertar à população que respeite a linha de ordenamento das barracas e procure as cinco entradas públicas da orla para entrar na praia.

Esta foi a segunda morte ocorrida na Praia do Futuro, neste ano, por invasão do espaço privado. Oito meses atrás, um turista suíço foi morto a tiros, após discutir com um segurança da barraca Praia Croco. Ele desrespeitou a ordem do segurança que o impedia de entrar na praia pela área da barraca, porque havia comprado uma lata de cerveja de um camelô, estabelecido na calçada fronteira ao local. Devido ao incidente, os proprietários da Praia Croco reforçaram o policiamento, para inibir este tipo de invasão. "Nossos homens são treinados rigorosamente para barrarem qualquer pessoa que pretenda entrar pela barraca consumindo lanches ou bebidas adquiridas fora daqui, pois pagamos em dia nossos impostos", esclareceu Nilton Invasor, gerente da Croco

terça-feira, maio 20, 2008

Aconteceu no Lami - parte IV - O menino loirinho


Um novo planeta? Uma cena de filme? Um sonho?... Vai ser difícil engolir a realidade desta parte da história das duas, pensava Saly, ainda tensa, na direção do carro. Só neste momento ela percebe que continua em alta velocidade. Que dia é hoje mesmo? Pergunta à Lisa, 20 quilômetros mais devagar, depois de um longo suspiro...
Era domingo. Ainda. Até chegarem à esta conclusão não foi tão fácil assim... O tempo - de terror e alegria - em que passaram naquela chácara, parecia enorme. Uma semana, no mínimo.
Começaram a relembrar. Pelo menos, colocar ordem nos fatos. Na tentativa de um entendimento.
Tudo ainda estava muito confuso, lembrou Saly. "Aquele menino... Tenho certeza da sua existência... eu falei com ele..."

"Deve ter sido muito fumo ou o uísque, meu bem!" Respondeu Lisa.

Saly já tivera muitas alucinações, como consequências das pirações de maconha ou álcool. Ela sabia que desta vez, o consumo fora mínimo, impossível de qualquer anormalidade. Por isto a encucação...
Assim como o menino, haviam os bandidos... Ou será que tudo foi produção de sua cabeça...
Não, um cara, pelo menos, ela tem certeza de sua visão. A Lisa não viu... Ah, mas ela ouviu os passos! E bem reais!

"Lisa, a gente deixou a casa aberta... Tudo ficou lá... lençóis, cobertores, roupas, perfumes, maquilagem... lembrou Saly, ao estacionar o carro na garagem do ap em que moravam. Eram quase dez da manhã. Saly arriscou: vamos voltar lá. Tenho que tirar estas dúvidas. Vou achar o menino, pelo menos!"

Decidiram ir de moto. Por quê mesmo? Nem elas sabiam... Só sabiam que tinham pressa... Por quê?

Só Lisa subiu ao ap pra pegar a chave da moto. "Traz uma cerveja", gritou Saly. Lisa trouxe duas. Colocou o capacete e nem deu o outro pra Saly, porque sabia que ela, como sempre, não usaria. E se mandaram.

Quarenta minutos pro meio dia, mais ou menos, as duas já estavam na frente da chácara. De novo. E com um grande frio na barriga. De novo. Sem qualquer arma. Sem polícia. Sem certeza.

Mas, estranho, a sensação de paz! "Uma paz bucólica", lembrou Lisa.

O cenário era o mesmo que haviam deixado...

O portãozinho de madeira todo aberto. A porta principal também aberta. Mesa posta na frente da casa. Tudo parecia intocado. Sol à pino sobre as árvores centenárias. Nenhuma folha se mexia. Estranho é que havia um vento primaveril. De fora, a impressão que dava era a de uma família que havia recém almoçado, mas seus membros dispersos em algum local da moradia. O silêncio falava. Dava até pra ouvir gritinhos de... crianças... brincando...

Saly e Lisa ficaram paradas por um bom tempo, antes de entrar na casa. Decidiram entrar juntas. E rápido!

Inhéééééééééé... o barulho estridente fez as duas recuarem imediatamente. Era a porta do galpão que batia conforme o vento.

Saly resolveu ir até lá. Tudo igual. Como antes. Passou pelo poço. Ia levantar a tampa, mas sentiu um frio estranho... A caneca pra água continuava no mesmo lugar. Puxou a tampa, espiou o fundo... Outro friozinho no estômago. Fechou imediatamente! Voltou quase correndo e entrou na casa, apressada.

Ajudou Lisa a colocar as roupas e os outros trecos na mochila. Tirou a mesa. Queimaram o lixo. Lavaram a louça. Trancaram a porta da cozinha por dentro. A chave da porta da frente ainda estava no chão. Trancaram a porta. A moto?

Lá no portãozinho de madeira... Ajeitaram tudo e se mandaram. Com uma estranha sensação de que estavam sendo observadas...

No caminho, pararam na casa mais próxima. Saly perguntou pro morador onde poderia encontrar o menino loirinho. Ele riu. "Ué, moça, ele tá aí no colo!"

Saly também riu e comentou pra Lisa: "outro bêbado! Vambora!"






quinta-feira, maio 08, 2008

Resposta a um bundão!

Quem trabalha em rádio ou tevê, já sentiu várias vezes este drama na pele: programa quase na hora de ir pro ar e um convidado acaba de desmarcar a entrevista. Estava passando mal. Viajou e não conseguiu retornar à tempo. Ou... simplesmente, amarelou...
Cada produção tem o seu lema ( ou dilema), o seu quadro de reserva. Apesar do frio na barriga, que a situação sempre provoca. No nosso caso, a situação era tranquila e sempre resolvida na ponta da língua...
Liga pra Dilma!
Ah, o assunto do dia é arte? Não tem problema...
Assim, em poucos minutos, a solução estava encontrada!
Não lembro de alguma zebra, durante os quase três anos do Guaíba Mulher - um programa diário que eu produzia na rádio Guaíba, início da minha vida profissional, década de 70, em Poa - algum furo por ausência de entrevistado. A operação Dilma beleza não falhava nunca. Em casa, na faculdade, no PDT, sede do seu partido de origem, a gente a encontrava. Mesmo sem celular, objeto estranho na época. E ela nunca dizia não.
Sem atrasos. Sem desculpas. Sem frescuras. Sem lero-lero.
Prática, segura e objetiva, como Dilma Rousseff! Mesmo que a pauta passasse longe de economia, assunto de sua especialização.
Nada de auto-promoção política!
Demagogia muito menos. Na época, Dilma trabalhava muito nos bastidores do seu partido, recém fundado por Brizola e que ainda conservava a ética como princípio político e existencial. Vestida sempre na simplicidade de uma calça jeans e camiseta. Pouquíssima maquilagem, pouco notada devido aos imensos e inseparáveis óculos fundo de garrafa. Naquele tempo, não pensava em se candidatar a algum cargo político, apesar da insistência dos companheiros trabalhistas.
Hoje, no antro do poder, familiarizada no inevitável jogo de estratégias políticas, aspirando, quem sabe, à Presidência, não sei se a ministra ainda mantém a mesma postura da Dilma dos tapa buracos de programinhas regionais...
Felizmente, o caráter e a personalidade continuam firmes e fortes! Pelo menos foi o que pode se notar diante de sua resposta a um senador bundão-sádico-insano-idiota-bobo da corte, que tentou persuadi-la diante de terrorismo verbal, lembrando das torturas humilhantes pela qual ela tinha passado na ditadura.
Pobre coitado, que não conhecia a reação elegante de uma brava guerreira! Sem se desmanchar em prantos de mulherzinha, a loba enrolou o dito dentro da própria armadilha que ele havia preparado! E o que é melhor, sem perder a ternura!

sexta-feira, maio 02, 2008

Praia do "Futuro"

Ler jornal na praia é coisa pra maluco. Tá bom. Todo mundo sabe. Na impossibilidade, a gente cria. Ou recria. Notícias proféticas. Achadas num jornal abandonado numa cabine blindada de praia, do ano de 2036...
"Washington da Silva Júnior, de 15 anos, era uma promessa do esporte cearense. Após perder o pai, vítima de dengue hemorrágica e da mãe, acometida de virose desconhecida, ele carregava nos braços a esperança da família, para uma vida melhor. A prancha de surf. Tinha gente que já apostava numa medalha de ouro certa para o Brasil, nas olimpíadas de 2038, daqui há dois anos.
Trajetória frustrada. Hoje, de manhã, Washington morreu nas areias onde aprendeu a caminhar, depois de levar dois tiros do segurança de uma barraca, na Praia do Futuro. Pra encurtar o caminho, que estava acostumado a fazer todos os dias, ele decidiu pular o muro da barraca, ao invés de seguir os 3 quilômetros que restavam para entrar gratuitamente na praia pelo portão principal.
"Não sei o que deu nele, pra tomar uma atitude destas. Mas não tive como evitar", justificou o segurança João Ovelha, ainda abalado. Um representante da empresa Destroiers, da qual Ovelha é funcionário, disse que não há nada há fazer neste caso, já que o segurança apenas estava cumprindo o seu trabalho. O coronel PM, Augustus Mandado, chefe da equipe que fiscaliza a área, lamentou a atitude impensada do esportista. Ele aproveitou para alertar à população que respeite a linha de ordenamento das barracas e procure as cinco entradas públicas da orla para entrar na praia.
Esta foi a segunda morte ocorrida na Praia do Futuro, neste ano, por invasão do espaço privado. Oito meses atrás, um turista suíço foi morto a tiros, após discutir com um segurança da barraca Praia Croco. Ele desrespeitou a ordem do segurança que o impedia de entrar na praia pela área da barraca, porque havia comprado uma lata de cerveja de um camelô, estabelecido na calçada fronteira ao local. Devido ao incidente, os proprietários da Praia Croco reforçaram o policiamento, para inibir este tipo de invasão. "Nossos homens são treinados rigorosamente para barrarem qualquer pessoa que pretenda entrar pela barraca consumindo lanches ou bebidas adquiridas fora daqui, pois pagamos em dia nossos impostos", esclareceu Nilton Invasor, gerente da Croco."

terça-feira, abril 08, 2008

Zuzo bem!

Hospital lotado. Gente esperando sua vez de atendimento. Olhos vermelhos. Febre. Náuseas e desalento.
Gente já atendida, espalhada por uma sala apertada e outra improvisada recebendo soro.
Médicos e enfermeiros correndo aflitos pra poderem atender a demanda!
Um cenário de guerra! Isto, em um hospital particular de Fortaleza... O ano? Dois mil e três! Diagnóstico: dengue! Corta!
Dois mil e oito. Mês de fevereiro. A mesma cena... Hospital lotado... Disputa ferrenha de familiares na conquista de um leito, pra internar seu mais recente doente de dengue!
Um filme que ninguém me contou. Falo com autoridade. Passei por este pesadelo em 2003e 2008.
Primeiro a clássica. Depois a hemorrágica. Vi, senti in loco!
Como eu, mais uns trezentos por dia. Um por cento da torcida do Flamengo, no mês! Testemunhas inúteis de uma comunidade cega, surda e muda!
Até hoje, as autoridades continuam debatendo se é epidemia, endemia, mania e sei lá mais que raiospoliticagens que os partam!
E ainda têm - eles - os senhores burocratas, a caradurice de espalhar estatísticas convenientes a uma imprensa cativa, que ainda registra como manchete principal a "primeira" morte no Ceará de uma pessoa com dengue, neste ano!
Merecemos um brinde! Apenas uma morte! Nos primeiros quatro meses do ano! Num país dominado por aedes!
Como tá sobrando, vamos até exportar médicos pro Rio, pra ajudar a população, que segundo o governo de lá, tá passando por uma fase da doença. Longe de epidemia!
Então brindemos. Pela saúde. Por você. Por mim! Ikk, por todos nós. Queee ficamossshh...hip...vivos!
Zuzo bem!

sexta-feira, março 28, 2008

Vira casaca ?!

Todo jornalista que cobre ou já cobriu a área política sabe que o que se fala hoje pode já não ser a mesma conversa de amanhã. O que um político anuncia agora, como decisão irrevogável, foi revogável há dois cafezinhos, após uma breve conferência com um colega ou falando em um celular na sala de chá do Senado, por exemplo.

Lembro de uma entrevista coletiva feita com o Collor, quando o seu desastrado plano já estava assinado, garantindo que a poupança dos brasileiros jamais seria mexida. Lembro de uma entrevista com o Lula, então apenas presidente do PT, nos anos 90, condenando o Proer, o plano de socorro dos bancos, como a mais "descarada cara de pau" do então Presidente FHC, de tirar dinheiro da classe média pra pagar a incompetência dos empresários.

Pois não é que o próprio Lula, há poucos dias, oferecia seu assessoramento ao governo Bush no socorro aos bancos americanos com o tão apedrejado Proer! De carrasco à senhor-propaganda. Eu posso com isso?

Mudar de opinião, algumas vezes, pode até ser saudável. Denota um certo despreendimento. Mostra um ser humano flexível. Descompromissado de radicalismos. Xô embotamento... Tudo bem. Agora, só não vale mudar de time. Lula sãopaulino? Sei lá, depois desta, tudo é possível. Não tão falando que o São Paulo já tem mais torcedores do que o Corínthians?...


segunda-feira, março 24, 2008

Natureza morta!

Todo o dia era assim. Eles chegavam quase despercebidos, sempre no final da manhã. Sentavam na última mesa da barraca, na frente do mar. Pediam duas cervejas. Ficavam pouco mais de uma hora. Pagavam ao garçom e iam embora, em direção ao calçadão.

Ele, já senhor, parecia aposentado. Sempre de boné preto e vermelho, que tinha o escudo do Flamengo no meio. E imensos óculos escuros, que nunca tirava do rosto. Mesmo quando o tempo estava nublado.

Ela, cabelo pintado de loiro, com a raiz preta sempre à mostra. Só se vestia com canga, sempre amarrada como um vestido. Às vezes, vermelha, com detalhes de bolinhas brancas. Às vezes, estampada com grandes flores coloridas. Nunca tirava, porque nunca entrava no mar. Como seu companheiro. Era bem mais jovem do que ele. Quase não falava. Mas chorava muito. E sempre baixinho.

Todo mundo que frequentava aquele pedaço de praia, já sabia. Ainda na metade da primeira cerva, começava o rosário de estupidez. "Puta, vagabunda, preguiçosa", eram palavras gentis, diante do montão de acusações que o covardão despejava em seu ouvido. Baixinho. Como sempre. Depois saiam de braços dados.

Esta rotina durou quase seis meses. "Cinco meses, e dezesseis dias", pra ser mais exato. Segundo a contagem do garçom, que custou a acreditar ao olhar o relógio, marcando duas da tarde. O casal não havia aparecido, naquela terça-feira. Nem no dia seguinte. Nem na outra semana. "Melhor assim. A clientela agradece, a trégua na baixaria", observou.

Foi numa sexta, quase quinze dias depois, que a mesa voltou a ser ocupada pela freguesa cativa. Desta vez, com seu novo companheiro. Este, bem mais forte do que o antigo. Também usava um boné. Só que cinza. Também portava óculos escuros. Mas bem menor. Tipo rai-ban. Ah, e um bigodinho ridículo. Parecia policial. O horário também não era o mesmo. Cinco da tarde. A bebida, continuava sendo a ceva. Mas com um detalhe. Acompanhada de uma taça de cana.

"Se não tiver steinhaiger, manda comprar", ordenou em alto e bom som o novo companheiro da loira.

E foi em alto e bom som que, uma hora depois, a loira voltava a sofrer o mesmo calvário. "Sai daqui, sua puta vagabunda!" Ela continuava sem falar, olhando impassível para um ponto qualquer da praia. Até receber um soco. E tão violento, que lhe arrancou um dente!

Imediatamente, o garçom e o segurança expulsaram o valentão da barraca. Que só deixou o lugar, após despejar mais um monte de asneiras e palavrões em direção à sua companheira. Esta, continuava inerte, segurando um lenço junto à boca, olhando na direção do mar. Até ir embora sozinha. Chorando baixinho.

Dois dias depois, perto das cinco da tarde, os dois foram vistos, entrando abraçados, na barraca do lado.


quarta-feira, março 12, 2008

Aconteceu no Lami - Parte III - Bandidos e abelhas se unem para o contra-ataque


Uma? Duas? Que horas serão? Perguntou Saly nervosa. Na verdade, pareciam mais de 10 horas, que as duas estavam alí, naquela situação de pânico. Longe do mundo. O pior é que não adiantava nem gritar. Quem iria ouvir? A distância entre as casas da vizinhança era de quase 5 quilômetros... "Será que chegou a nossa hora? Não sei por quê, mas eu tinha um pressentimento de que a gente iria morrer juntinhas..." , disse Lisa.
Morrer... agora? Com 26 anos? Pensou, baixinho. Agora que me achei... encontrei o caminho da minha felicidade... da minha natureza, pensou Saly, relembrando a descoberta de sua identidade sexual, há pouco menos de um ano, depois de dois casamentos formais e uma bem grandinha lista de namorados. E no auge da beleza... Loira, cabelos compridos, olhos verdes, rosto magro, corpo perfeito, que fazia parar a conversa dos frequentadores de qualquer bar ou restaurante, quando ela entrava...


Saly olhou pra Lisa. Quem diria! Aquela mulher magra e cheia de energia, quatro anos a mais do que ela. Conhecedora do mundo, com vasta vida aventureira. Seu meio de transporte era uma moto, que ela pilotava com perfeição, sem dispensar os seus altíssimos saltos. Com perfil de bailarina espanhola, como sua origem. Especialista em deslizar nas passarelas, apesar de sua pouca estatura. Cabelos lisinhos e negros, como seus grandes olhos, moldados por sobrancelhas arqueadas e fartas, que lhe davam um ar de mistério sensual. Boca carnuda, sempre ressaltada por um baton vermelho uva, do qual ela jamais se separava .
"Nuuuunca, a gente vai sair dessa... e é agora", reagiu Saly, ao mesmo tempo em que tentava se livrar de um incômodo inseto, que teimava em zunir aos seus ouvidos. Insistente. "Porra, que saco! Uaaaaaaaauuuuuu, uma abelha, Lisa. Olha o ferrão!... Ih, outra... Ih... Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiii !!!Caramba, de onde elas estão vindo? De lá?...


Quando olharam pra cima, não acreditaram no que estavam vendo sob suas cabeças! Uma violenta descarga de adrenalina invadiu como uma bomba o cérebro, o corpo, as pernas das duas! Um imenso quadro negro pairava sinistro por toda a imensidão da sala! Na luz do lampião e sob os neurônios do pânico, a visão era de um horripilante filme hitcochiano. Demorou um certo tempo até elas caírem na real. O teto estava impregnado de abelhas, que para seu olhos apavorados pareciam mais com monstros dinossáuricos!


E agora? - gritou Lisa, pra depois cair em prantos, ao mesmo tempo em que tentava tirar os ferrões das costas de Saly, que urrava a cada tentativa. "Não tem jeito, se correr o bicho pega...Vamos embora! Mas, presta atenção, tu só sai daqui quando eu ligar o carro e acender os faróis!" - sussurrou Saly, pra ninguém ouvir o plano. Lisa parecia petrificada.


Era só pegar a chave do carro e se mandar! Mas... cadê a chave ?!!? "A-a-a-cho que táá láa, na ignição...?! " - repondeu Saly, com a voz tremida.


Si... Quem sabe... Onde... Como... O momento não permitia conjecturas. Nem palavras difíceis. Nem diálogo, como alerta a minha crítica literária preferida. A ação já estava traçada e elas tinham que contar, novamente com a sorte. Então começaram a retirar os móveis à frente da porta. Bem devagarinho, pra não alertar a quem estivesse fora da casa.


Primeiro o armário, o sofá, a mesa...Que as duas tiraram com uma perfeita rapidez e sincronismo, de fazer inveja à qualquer preparo olímpico! Abrir a porta, agora, era uma questão de segundos... Rápido ou devagar? As duas formas! Saly já via a cena em sua mente: abriria a porta rápidão e ficaria agachada, ao lado, espiando a reação externa. Se continuasse o silêncio, sairia correndo, abriria a porta do carro e... ihhhhh. Na verdade, a cena que Saly via era a de que, nesse momento, já teria sido fuzilada por um bando de marginais, postados por trás das árvores. Ou, o pior (?) sendo cercada por todo o bando armado, que as deixariam à mercê de sevícias e maus tratos...


Saly sabia que não tinha mais jeito. A sorte estava selada. Se ficar o bicho come!


Saly deu um beijo e um forte e esperançoso abraço em Lisa! "Não esquece, espere eu ligar". Abriu a porta da casa. Nem tão rápido, nem tão devagar. Nem se abaixou. Espiou. Mas também não esperou. Saiu correndo e instintivamente pôs as mãos na cabeça, com se estivesse se protegendo de tiros.


Que longos e sinistros, aqueles quase 30 metros que a separavam do carro! Ainda pode perceber que a noite estava clara, como ela ainda não tinha visto, desde que estava lá. Consequência do intenso brilho da lua e das estrelas, que pareciam muito próximas dela. "Pertinho do céu", observou. Isto, por questões de segundos, apenas, já que que seu pensamento voltou a se fixar nas chaves do carro: tomara que esteja na ignição! Tem que estar na ignição! Claro que estão lá!


Nesse meio tempo, Saly voltou a sentir um desespero de morte: e se a porta estiver trancada? Será que que eu baixei o pino? Não, acho que não... Porque iria fazer isto?...


Cada passo dado a frente representava milhões em prol de vidas. Como ela imaginava já ter atingido mais da metade do caminho, a sensação que tinha era de crescimento. Como se um balão estivesse inflando e já já, ela iria sair voando. Flutuando, seria melhor. Leve e livre, ao sabor do vento, sem lenço e documento, sem qualquer preocupação com ladrões e perseguições...


Uma. Duas. Não. Não estava trancada. A porta do carro abriu só na terceira tentativa. Bingo! A primeira parte já estava vencida! "Vamo. Vamo. Vamo carrinho. Não me deixe na mão agora... Não vai fazer como naquele dia em que chegamos. Pega! Pega...


Uaaaaaaaaaaauuuuu !!!! Tô com sorte. Eu sabia! Eu sabia! Eu te amo!


Saly acendeu os faróis, o que iluminou todo o quintal, no fundo da casa, já que o carro estava de frente pro mesmo. Rapidamente engatou a ré e acelerou até a frente da mesma, já com a porta do passageiro aberta. Lisa já estava fora e correu pra dentro do carro. A distância até o portão de entrada era cerca de 50 metros, trafegando pelo caminhozinho de areia. Saly tentou encurtar o dito, passando por cima da grama. Teve que parar, bruscamente, diante de uma árvore, mas continuou acelerando o carro em ponto morto, pra evitar qualquer surpresa desagradável. "Já pensou o carro morrer agora?" - brincou Saly, ainda tensa.


Pareceu uma eternidade, o tempo percorrido em poucos segundos, até o portão de madeira do sítio. O mais difícil foi mesmo abrir, pois estava preso com uma forte proteção de arame farpado, retirado com dificuldade por Lisa, que voltou pulando de alegria para entrar, novamente, no carro. Desta vez, o caminho em direção à civilização estava livre!


A não ser que...


( Quem ainda tiver saco e curiosidade pra acompanhar a saga de Saly e Lisa, mais ou menos nos anos 80, a história continua à qualquer dia, neste mesmo bat local).













domingo, março 09, 2008

Faz parte. Mas até quando?

Sei que em todos os públicos, as análises precisam serem feitas com moderações. Seja em um encontro de jogadores de futebol, como em um congresso de cientistas. Para um jornalista, principalmente, que vai cumprir os eventos. É preciso vestir, literalmente, as roupas, de acordo com o ambiente. Tanto na parte física, quanto mental. Com isto, você se desnuda dos limites. Dos "pedestais" intelectuais. Da arrogância, tão comum entre os que tiveram alguma chance de cultura. E partir para cobrir a matéria, como se fosse um igual.

Desta forma, tento ver o Dia Internacional da Mulher, como parte do meio. Já aceito os inumeráveis presentes e cumprimentos, especialmente das mulheres, sem qualquer irritação. Faz parte. Do que mesmo? Ah, da sociedade. Como o dia das mães, dos pais, do amigo, dos namorados. Dos gays. Dos índios. Dos negros. Faltam o dos homens, dos cachorros, dos políticos...

E assim a vida segue normalmente. Depois da festa, das homenagens, das várias matérias ( que merecem até capas) , resta esperar o ano que vem. Tudo como dantes, no quartel de Abrantes. (Que por sinal é muito bonito). Os homens continuam pensando igual ( mesmo àqueles que presentearam as mulheres de suas vidas com flores). As mulheres ( que receberam e também homenagearam), continuam com o mesmo pensamento e a mesma rotina dentro de casa: trabalhando duplamente e ensinando suas filhas a trilharem o mesmo caminho. "Entendo que as mulheres precisam lutar pela sua independência, mas não admito que um homem faça os trabalhos domésticos, como lavar roupa e pratos ou varrer a casa", segundo revelou uma jovem senhora bibliotecária cearense, de 29 anos ao jornal o Povo, durante uma caminhada de protesto em prol das mulheres, na avenida Beira-Mar. "Por que a mulher é mais sensível e faz parte da natureza dela cuidar das pessoas", justificou outra, dona de uma banca de revistas.

Então tá. O que adianta tentar modificar o status quo, enquanto o homem continua sendo educado o contrário? Seria hipocrisia dizer que isto acontece somente nas classes menos favorecidas. Ocorre até entre os que têm a responsabilidade do esclarecimento. Como os jornalistas. A gente sabe que há muito mais mulheres trabalhando na profissão do que os homens. Mas quantas são responsáveis por escrever um editorial de jornal, rádio ou tevê?

Como diz o meu colega Sakamoto: " jornalistas acham que são iluminados pela razão. O jeito que tratamos nossas companheiras de trabalho - conscientemente ou não - mostra que vamos na mesma lenta toada da sociedade como um todo, engatinhando para sair da idade das trevas do preconceito".

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O dia em que morri

Como um pesadelo! E aconteceu de repente. Ao sair do Shopping Iguatemi. Já no estacionamento pra pegar o bugui, senti algo sinistro no ar. A calmaria não combinava com o ambiente, apesar do horário morno, perto das três da tarde. E na quarta-feira.

Ao me aproximar da Praia do Futuro, a certeza de que algo não se enquadrava no contexto. O mar estava extremamente recuado. Cheguei mais perto e a visão que tive foi pra não esquecer por todas as reencarnações: uma onda gigante se formava distante e vinha com uma rapidez impressionante em direção a avenida Diogo, que beira a praia!

Em poucos segundos, ela já tomava conta da areia e arrastava os carros que vinham atrás de mim. Sentindo a sombra da onda sobre minha cabeça, pensei de relance: pronto, é o fim! Chegou o dia! Minha história termina aqui. Na praia. Sozinha. Longe dos meus amores. Longe da minha família. Longe de tanta coisa... Me vi como um pontinho na visão do satélite, engolida pela montanha de água...

De repente, como que por milagre, percebi a existência de um buraco iluminado, como se fosse um túnel, no meio das ondas. Entrei nele e acelerei tudo o que pude, em direção ao centro. E apaguei.

Não sei por quanto tempo fiquei desmaiada. Só sei que quando olhei ao redor, estava caída ao chão, no topo de um morro, com um monte de pessoas à minha frente, olhando todo o estrago que o tsunami tinha causado lá embaixo, no outro lado da cidade. Me levantei e tentei achar um lugar entre a multidão pra observar e entender o que havia acontecido, realmente.

As pessoas estavam tão nervosas, que mal me percebiam. Lembro de um casal, que me olhou com total indiferença, quando contava que eu tinha escapado da onda arrasadora. Um jovem, todo na beca, que parecia vestido pra um casamento ou formatura, reagiu com uma expressão de tristeza, ao me ver passar a sua frente. Sua namorada, também no maior chiquê, me olhou, mas parecia não entender o que estava ocorrendo, pois continuava impassível, não demonstrando qualquer surpresa ou curiosidade sobre a minha experiência. Preferiu perguntar à um senhor, que se dizia engenheiro, e tentava explicar o fenômeno.

Resolvi sentar num banco próximo pra pensar melhor. Onde era mesmo aquele local de Fortaleza, que eu não conhecia? Acho que foi o trauma, ou será que fiquei com amnésia? Seria o morro Santa Terezinha? De repente uma imensa saudade me bateu e eu comecei a caminhar na procura desesperada dos meus amigos. Mas minha memória, definitivamente, não tava legal. Não achava as ruas, não encontrava o caminho. Branco total.

Não demorou muito e... quando percebi, já estava entre eles. Não me recordo direito o lugar. Um bar?... Um ap...? Claro, tinha que ter festinha. Aproveitamos o aniversário... De quem mesmo? ( Porra, eu sei que é aniversário de algum dos nossos amigos , putz que memória de merda!). Depois eu me lembro... A verdade é que de quebra, resolvemos celebrar a minha segunda vida. Mas de novo, comecei a sentir uma sensação estranha.

Acho que ainda não tô legal, disse pra Mara, quando ela ficou um pouco mais desocupada com os convidados. Ela riu e não me respondeu. Fez um gesto carinhoso e foi atender alguém, que tinha pedido não sei o quê. "Engraçado, ninguém, até agora, perguntou sobre o acidente. Acho que querem me poupar..." Conclui. "Talvez seja por isto, também, que todos evitam conversar mais tempo comigo", pensei. O problema é que já estava me sentindo uma idiota, só ouvindo as pessoas e rindo das piadas - recontadas, em grande parte.

O telefone! Olhei pra ele e me lembrei que ainda não tinha ligado pra minha irmã de São Paulo, contando sobre o tsunami e todo o meu drama. Quando ia pegar no fone, chegou o André e puxou o aparelho pro seu colo. "Ia ligar pra minha irmã, mas posso esperar", justifiquei. Acho que ele nem ouviu direito o que disse, pois apenas riu, já começando a falar com a pessoa do outro lado da linha. Quando desligou, levou o telefone até à mesinha, onde estava.

Agora é a minha vez. Tomara que a Shirley esteja em casa...Tá. Então eu falei. Falei. Contei tudo direitinho. Mas... estranho. Ela não parece feliz. Só concorda. Não dá opinião...

De repente, ao invés dela, ouço a voz zangada e decidida da minha mãe, demonstrando impaciência: "pára com isso, Sheila! Tu estás morta!"

A sensação que eu senti naquele momento é indescritível. Olhei pra todos em volta...e a minha ficha começou a cair... "Bah, por isto que ninguém fala comigo. Não me enxergam. Desde aquele morro... Mas por quê estão fazendo festa? Ninguém tá triste? Ninguém sentiu a minha morte?..."

Então acordei! ... Acordei?










segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Em nome dos espertos

O teu espaço termina onde começa o do outro. Quaaaaaaaantas vezes a gente já ouviu isto e quaaaaantas vezes a gente lembra desta expressão, ao sentir, a todo o momento, nossa individualidade descaradamente invadida! Seja pelo vizinho, pelo cachorro do vizinho, pelas autoridades constituídas e destituídas, pelos prepotentes, pelos religiosos fanáticos. Quantos metem o bedelho nos seus conceitos, como se fossem senhores e donos da verdade! Os pastores, os poodles, os pit-buls, os viralatas, os papas...

Tá certo, que a maior parte da população mundial nasceu pra ser liderada. Não porque esta maioria seja desinformada e aculturada. Não. Adultos, que passaram anos nos bancos de universidades, mestres em suas carreiras, exemplos pra seus filhos, peahgadês em suas atividades, não conseguem se livrar dos gens patriarcais, se portando sempre como filhinhos passivos, diante da postura dominante de um pai. Ainda que analfabeto! É da natureza humana (?) ... Freud explica.

Se não fosse desta forma, como analisar as milhares de religiões e seitas que prosperam há milhares de anos no mundo? Um líder religioso fala e os crentes baixam a cabeça. Apesar do ridículo de suas idéias e afirmações. Como o papa, por exemplo, que pediu ainda, ontem, respeito para as mulheres... Bebeu novamente ou teve outro ataque de esclerose...

Mas não foi ele, que disse, recentemente, que as mulheres tem que ser submissas? Que elas tem que abdicar de seus ideiais pra cuidarem do almoço e da roupa lavada de seus maridos? Não é ele o primeiro a concordar com a descarada e arrogante postura da igreja que aponta a impureza da mulher para impedir a sua eleição à liderança do catolicismo?

Em terra de cego, os déspotas fazem a festa e manipulam suas ovelhas, sem qualquer pudor. Os pré conceitos proliferam e são espalhados como se fossem leis. E utilizam a interpretação infantil da Bíblia como versão. Ignoram, por exemplo, o preceito básico do livro, que sugere "o amor ao próximo como a si mesmo".

Alôôôô? Alguém já viu um padreco ou pastor, ou pit-bul, ou rotweiller citar este mandamento de deus pra impedir o preconceito e a intolerância aos negros, homossexuais e outras minorias? Por falar nisso, onde está escrita a permissão ou a outorga para que alguém possa falar em nome de deus ou para que o represente na terra?

E deus é bobo? Ao contrário, já pensando nos filhos espertalhões, ele lascou, pra ficar bem registradinho: "Não usais o santo nome de deus em vão".

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Hilary. A primeira mulher

O que sempre me encucou com a política norte-americana é que durante todos estes anos de democracia e outras tantos de feminismo, país o qual foi precursor, nenhuma mulher, até hoje, assumiu a presidência.
Me lembro de uma candidata... Geraldine, parece ser esse o primeiro nome, também do partido democrata, que estava bem cotada na parada, até a imprensa bisbilhotar a sua vida familiar e descobrir os podres do marido, sonegador do imposto de renda.
Bem o companheiro da madame Hilary, os americanos já conhecem. E que gosta de pular a cerca, especialmente com estagiárias, já faz parte do folclore tio Sam.
Novidade seria, nesta altura do jogo, a descoberta de alguma ex-secretária amante de dona Hilary, recalcada por um certo desprezo sentimental, denunciar algum deslize financeiro da suposta companheira...
Independente disto, o tabu ou mesmo o preconceito, podem cair agora, com ela sendo eleita. Mesmo tendo pela frente uma enorme montanha de simpatia, carisma e juventude, que é o tal do Barak Obama!
Vamos encarar, o cara é bom mesmo e tem tudo que os Estados Unidos estão precisando pra levantar a moral da galera manchada por tantas guerras e hipocrisias: negro, jovem, educado e... destemido. Assumiu, antes dos boatos, que foi usuário de maconha na adolescência (sic). Ah, e politicamente correto.
Mesmo com todas estas qualidades, ainda torço pra Hilary. Obama, como diz a minha irmã no jogo de baralho, será guardado pro futuro.

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Alegria zen

Aqui em Fortal, apesar de nordeste, o carnaval passa longe. Pelo menos na Praia do Futuro. Ainda bem. Pelo menos aqui, não existe confusões, multidões, brigas, engarrafamentos. O feriadão é curtido na mais maravilhosa e perguiçosa paz.
Mas o freguês, na verdade o turista, diga-se de passagem, tem escolhas. Se quiser um pouquinho de agitação, há opções. Existem diversas barracas pela orla, apresentando bandas de aché ao vivo. É só chegar, curtir e... pular.

O melhor, é que todo mundo se diverte, sem invadir espaço de ninguém. Até aquele tradicional bêbado chato é colocado no seu devido lugar, ou seja, dentro do mar, por uns minutos, até ser acordado pelo tradicional "sir manca".

O método é de fazer inveja aquela cidade britânica, que se vangloria de ter reduzida as inúmeras brigas que haviam por lá, distribuíndo pirulitos nas saídas de bares e discotecas. Segundo eles, os "gênios inventores", pessoas que bebem excessivamente ficam agressivas devido ao baixo nível de açúcar no sangue. Os pirulitos reporiam esta perda e todo mundo voltaria a sorrir e se divertir...

Pois é, cada comunidade usa o que tem à mão. Aqui é a praia, felizmente, que deixa tudo zen.

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Do paraíso ao inferno ( cont. da história lá debaixo, Aconteceu no Lami - Parte II)


"Como? Tu tá brincando comigo, ...? Eu trouxe o gelo, tá até aqui, óh, no uísque..." - respondeu uma também incrédula Saly.
"Ah, querida, deixa de besteira, este gelo eu acabei achando, quando estava retirando os refrigerantes do isopor. Eu tinha esquecido deste detalhe... Acho que tu já tá é bebum...", ressaltou Lisa.
"Mas, e o menino? Não é possível que tu não o tenhas visto?..."
", pára com isso, Saly. Já enchi o saco! Isto tá me tirando a paciência!" - reagiu Lisa, com a voz tão alterada, que decretou de vez os questionamentos.
À tardinha, deixou o local mais bucólico. Momento do coro interminável de milhares de pássaros, que retornavam ao aconchego de seus cantinhos, entre as pereiras e paineiras centenárias do lugar. E foi embaixo de uma destas imensas árvores, um pouco afastada da entrada da porta da frente da casa, observadas por uma lua que parece ter aumentado vinte vezes o seu tamanho e sob um céu pontilhado de estrelas de todas as formas, que as duas resolveram fazer o tão falado e decantado churrasco de uma noite de verão. Longe do auê e dos apartamentos da cidade!
Entre um papo e outro, uma taça de vinho e outra eis que do cenário lúdico, à presença do pai, foi um pulo. "Não. Não acredito em outra vida após a morte, porque quando meu pai morreu, ficava dias e noites implorando pra que ele aparecesse pra mim, de alguma forma. Fazem 13 anos e até agora nada... Imagina, da maneira que ele me amava, jamais iria me decepcionar...", justificou Saly, a sua descrença em outras vidas. E inesperadamente, começou a chamar pelo pai, aos berros, literalmente.
Lisa resolveu interromper, ligando o rádio do carro, que estava próximo.
"Faaaltam 10 minutinhos pras 10 da noite, desta locooooomotival sexta-feira!" - Anunciou o locutor da Cidade FM, por sinal, amigo das duas, no exato momento em que Saly perguntara. As duas riram. "Porra, não tem jeito..."- falou Lisa, ainda observando. "Engraçado, parece mais de meia noite, o que a natureza faz! E eu também já caindo".
E era tanto o sono, que as duas deixaram a mesa e todo o resto, pra retirar no outro dia. O carro ficou aberto e o som baixinho. Apagaram os três lampiões da casa.
Duas e meia da madruga, Saly acorda assustada. Olha pra todos os lados do quarto. Tudo normal. A impressão era... Será que teve um pesadelo? Pessoas estranhas entrando na casa... pela porta da frente e com a própria chave...Pareciam saídas de um filme de caubói, chapéus largos, botas... Melhor se concentrar no som do carro. Madona, Betânia, Bee Gees... Até dormir de novo, levou um tempinho...
Desta vez foi real! As duas acordam ao mesmo tempo, com o barulho de passos largos e firmes. Às vezes, parecia alguém correndo, de botas, em volta do varandão que circundava a casa. De repente o silêncio dos passos. O vento parecia arrancar árvores. O som do carro permanecia ligado. Mas a voz de Glória Gaynor parecia vir de um lugar muito longe... "Quem é ? QUEM É?" Ninguém respondeu a pergunta insistente de Saly. Mas os passos continuavam. Ora correndo... ora devagar... Até sumirem total...
Os primeiros raios de sol entravam pelas frestas das janelas de madeiras, fragilmente fechadas. Especialmente a da sala. Agora dava pra perceber melhor, embaixo, a tranca da janela estava enferrujada e a madeira que serve de apoio, se desmanchando. Faltavam ainda dois gravetos, o que deixava à mostra um buraco do tamanho de uma mão. A porta da cozinha estava apenas fechada. Não chaveada...
Saly e Lisa se olharam surpresas. "Como pode?"- observou uma delas. "Será que o cara ainda tá por aqui?"
Saly abriu a porta da frente, beeem devagarinho... deu uma espiadinha. Tudo normal. As folhas das árvores nem se mexiam. A ventania havia parado por completo."Cinco e trinta e dois de um sábado que vai pegar fogo aqui na ciiiciiiciiiidade", anunciou o locutor. O carro estava na frente, intacto. Com a chave na ignição e a porta aberta, do mesmo jeito que havia sido deixado, apesar do forte vento. Estranho, parece que é o Beto que tá brincando com a gente lá fora, pensou Lisa.
O primeiro pensamento das duas foi o de se mandarem pra Porto Alegre correndo. Logo posto pra escanteio. "É só a gente ficar mais atenta, fechar tudo direitinho..." - decretou Saly, se lembrando de um detalhe importante: o carro não pega! Por isto que ela teve que ir a pé, pela estradinha, atrás de gelo... Êpa, agora pegou fácil... Será que eu...
"Saly, olha que linda esta horta aqui atrás da casa", interrompeu Lisa, entusiamada!
"Porra, que milhos grandes e fresquinhos! E como tem... Tá pronto pra colheita. A Clarice não tinha falado disso. Vou pegar um prato pra gente cozinhá-los. Ei, olha lá, parece alface, beterraba, caramba... Tem até um galpão... e tá cheio de ferramentas! E este poço? "
Deveria ter uns 2 mil metros de profundidade. A caneca de aço inox, pra beber, por incrível que pareça, estava pendurada na borda do poço, por uma imensa corda de palha. A água gelada e fresca, tinha um sabor de liberdade e natureza! O galpão estava organizado e limpo, mas parecia não ser mexido há muito tempo! Ou... a limpeza poderia mostrar o contrário?
A tarde correu mansa, como nas casas das cidades do interior. A água do poço foi utilizada como chuveiro, pra refrescar Lisa e Saly do imenso calor de novembro, na falta de mangueira, piscinas... A descontração era tanta, que Saly até tirou o biquini, ficando nua, pra aproveitar melhor a água. A atitude mostrava que o medo da noite anterior havia passado de vez.
"Que tal um churrasquinho?" - sugeriu Lisa, sentada na escadinha da porta da frente da casa. "Tá bom, vou pegar o carvão lá dentro e uma cadeira pra gente curtir um pouco o céu na sua luz natural, antes de acender o fogo, tá legal ?", disse Saly.
"É impossível só existir vida na terra? Olha que universo imenso... olha quantas estrelas... fora outros muitos sistemas que devem existir por aí..." falou Saly.
"Ah, com certeza. Tu já vistes disco-voador, Saly? Eu já. Foi numa noite de setembro, um feriadão... Devia ter uns 19 anos. Ainda era casada com o Jorge. A gente "tava" na praia... em Capão da Canoa, não na beira, mas no centro. De repente, um monte de gente "tava" olhando pro céu. Parecia uma trilha de pratos descendo, seis, na verdade, todos, iluminados, indo em direção ao mar. E todos deixavam rastro, como se fossem cometas... De repente, o primeiro sumiu, logo depois o segundo... o... (!?!?) que foi Saly?"
"Lisa, entra logo pra dentro de casa, mas devagarinho..." - sussurrou Saly.
Feito isso, Saly seguiu Lisa e bateu com a porta rapidamente, derrubando a chave que estava na fechadura do lado de fora. "Tu não viste? Tinha um cara espiando bem do lado da casa, pertinho da gente... A primeira vez que eu vi, pensei que fosse impressão minha, mas a segunda, deu pra ver direitinho, quando ele deixou toda a cabeça de fora... Deve ter mais. Pode até ser uma quadrilha, que se esconde por aqui perto. Devem estar armados...Lisa pega logo o revólver!!! - gritou Saly, como forma de persuadir algum bandido, já que as duas não tinham qualquer porra de arma.
O sofá, a mesa da sala, o armário da cozinha... tudo foi encostado à porta, pra impedir qualquer tentativa de abertura, já que não estava trancada. Saly se armou com uma enxada, que estava atrás da porta da cozinha. Lisa segurava uma pedra, que servia como tranca para impedir que o vento batesse a porta. Cada uma posicionada estrategicamente nos dois lados da porta. A noite apenas começava.
( O resto desta história você vai saber em qualquer minuto, há qualquer hora, há qualquer dia... aqui, neste bat local...).