quinta-feira, setembro 24, 2009

Historinha de um amor fast food

"Oi, você não tem como escapar. Eu sempre te acho...
" A voz coquete, que antigamente dava arrepios de tesão no irrequieto coração de Artur, naquele momento causava indiferença. Daí, o diálogo frio, sobre o tempo da nova cidade, o novo tipo de trabalho, o filho....
Na última vez que os dois haviam se falado pessoalmente, foi para Artur dar um ponto final no relacionamento recém reiniciado entre eles.
Claro, que Solange não aceitou. Possessiva e carente como era, jamais admitiria o fora. "Amanhã eu chego aí... Já comprei a passagem...
Pelo sim, pelo não, Artur preferiu fugir pra Fortaleza, sem avisar.
Pelo sim, pelo não, já no seu ap, com a ex-mulher, evitava atender o telefone.
Dois dias após, quando ela chegou na portaria, pra entregar uma foto, que ela havia roubado de sua carteira, mandou dizer que não estava.
Também mandou dizer que não estava, no outro dia, quando ela foi lhe entregar uma bermuda, que tinha ficado na sua casa.
Avisou ao porteiro que não poderia descer, quando Solange, retornou no dia seguinte, pra lhe devolver uma camiseta também esquecida. Bah, ainda tem outra lá, pensou desesperado.
Riscado o telefone e endereço, a estratégia de Solange virou via para o cerco constante. Via torpedos... via recados de amigas... via praia...
...Via namoro com um grande amigo seu, na tentativa de frequentar a casa do casal. Artur decidiu se mudar. Estava realmente empenhado em preservar seu relacionamento de quase uma década, com a atual mulher.
Quase um ano depois, Artur atende o telefone. Ela sempre achava. Fala com uma amigável Solange, se dizendo apaixonada como nunca na vida, feliz como nunca na vida, anunciando o casamento com o pai do seu filho. "Ele sempre foi o grande amor da minha vida..."
Artur ficou feliz, como nunca.
Até a historinha retornar ao início. Lembra? A continuação do telefonema de Solange. O papo do tempo. Do trabalho. Do filho...
"Sabia que eu casei no ano passado?" - finalmente falou, no momento em que Artur estava se despedindo.
"Ah é, parabéns..."
"Não, não é com quem você está pensando. É com um juíz. Ele é lindo demais. Tô apaixonadíssima...
"Ah, que bom, então parabéns de novo".
...eu tô muito feliz...Quer dizer, ele tá mais. Ele é apaixonado por mim, este é que é o problema. Se souber que estou te ligando é capaz de me matar...
...então vamos desligar logo...
...a mãe dele, a sobrinha dele, a família toda me ama demais. Ele me dá tudo o que eu quero. É muito amor...Eu amo ele demais. Mas agora estamos separados...
...xiii, que pena, tenta falar com ele...
...não, fui eu que quis. Ele tá desesperado. Ontem tentou se matar...
...mas se você o ama, porque a separação...
...é que ele tem uma gata...
...ah, entendi...
...uma gata da qual ele não abre mão de jeito nenhum. Até dorme com ela...
...poxa, faz uma concessão por amor...
...não posso, eu tenho alergia... E você? Eu quero te ver. Vou à Sampa amanhã...
Ei, tchau, tão tocando a campainha...
( Claro, que vai ter continuação, qualquer dia...)

terça-feira, setembro 15, 2009

Tempo esgotado!

Não tinha jeito de doente. Apesar de seu aspecto triste e amarelado. Era pequeninha, em comparação com as outras muitas e grandonas, que faziam parte de seu cotidiano. Sabe-se lá, há quantos anos! Teria sido a chuva ou o vento da madrugada? O certo é que ela não resistiu à noite anterior.

Será que pediu socorro? Quem a ouviria, na rua pouco movimentada de gente e repleta de carros apressados? Ou aguentou resignada o destino urbano que lhe foi dado. Aspirando fumaça e poluição? Parecia jovem entre centenárias... Teria filhos? Teria pais? Avós? Qual sua origem?
Mas tinha história. Com certeza! Guardadas na natureza. Quantos beijos presenciados... Quantos amores feitos e desfeitos, num pequeno percurso entre as calçadas e os prédios?

Não viu, aposto, crianças correndo suadas, lambuzadas de areia, jogando bola... A zona não permitia esse tipo de liberdade. Nobre e com edifícios cercados por todo tipo de aparelhos de segurança. Além disso, era de outra geração. A da infância muito ocupada. Com cursos e jogos eletrônicos como lazer.

Assaltos. Alguns, deve ter observado. Testemunha ocular de planejamentos estratégicos. Vigilância programada. Desfechos previsíveis... No silêncio da rua, onde só as máquinas tem direito.

Hoje cedinho ela não assistiu os rotineiros barulhos dos portões das garagens se abrindo pra pulsação da vida. Nem a chegada dos milhares de funcionários na direção de mais um dia de trabalho em seus respectivos prédios.

Estava caída. Inerte. Ocupando metade da calçada, da rua José Galante. Sozinha. Sem ninguém pra lamentar a sua falta. Mais tarde, será retirada por um caminhão da prefeitura. Nos próximos dias, será lixo ou carvão.

terça-feira, setembro 08, 2009

O som da vida

O sol batendo radiante nas árvores diversificadas em vários tons de verde. A grama fresca de um imenso jardim. Flores vivas, de todas as cores e tamanhos. A água límpida estalando em pontos cristalinos. Canção doce de um cenário de filme...

Algum lugar do Rio Grande... Algum lugar de Belém Velho... Algum lugar de Salvador... Alguma praia de Vitória... Minha casa florida, escondidinha em Fortal... De onde vinha este canto lindo e diferente do pássaro que insistia em gritar bem alto pra ser ouvido, no início da manhã desta terça-feira, dando o seu grito atrasado de independência?

Maravilhoso... Mas aflito... Como que de alívio e pedido de socorro... Uma mistura de infância exuberante e rígida polidez de adulto.... Um canto de campo, em plena realidade paulista!

Parecia. Mas não era sonho. Mesmo sem a presença do sol. O escuro da luz que resplandecia às sete da manhã, entre buzinas e ruídos de trânsito engarrafado, indicava a visão do décimo segundo andar da avenida chuvosa. Ainda sonolenta, entre as cortinas semi-abertas.

Uma manhã caótica, apesar do encanto do despertar... Chuva de granizo, céu tomado de nuvens pretas... Uma São Paulo previsível.

Parecia tão longe... A casa na favela sendo arrastada. A morte de um motoqueiro imprensado entre um caminhão e ônibus. Um assalto no condominio. Uma árvore caída no carro. A luz cortada. Um tornado abortado. A vitrine praiana do shopping.

O canto emudeceu. No café da manhã. A previsão de tempo feio, pro resto do dia, no Bom dia Brasil.