terça-feira, maio 25, 2010

Tempo...tempo...tempo...


Tempo, tempo, tempo... dizia a senhora elegante, muito apressada, ao discar o telefone, enquanto batia nervosamente os dedos de uma mão, bem cuidada, na mesinha ao lado do sofá, em que ela estava sentada, na sala do laboratório clínico de exames. A outra mão, segurava o fone. "Bom dia, Alessandra, quero te passar rapidamente as coordenadas sobre o que você deverá enfatizar na reunião das 10 horas... e..."
Estava à sua frente. Aproveitei pra levantar e tomar um cafezinho. Minha irmã recém tinha sido chamada. Pra fazer dois exames. Senha 2015. O painel já indicava a 2016.
"Bom dia Helena..." (bah, já tinha esquecido a senhora apressada e seu correto portugues). Agora ela estava no celular. Tentei sentar longe, mas não teve jeito. Poucas pessoas no ambiente, o forte volume da voz, então vamo que vamo. -" ... quero te dizer uma coisa, manda a dona Francisca, mas veja bem, com toda a polidez possível, e no momento certo, limpar direitinho a....que ela não fez direito...deixou a persiana... Diz assim: ooooolha a Rosana vai passar por aqui não demora e voce sabe como ela é exigente, examina tudo...
"Oooi, bom dia, eu sou Rosana...quero matricular a minha filha no período entre 12:30 às 13:30, o único horário livre que ela tem... escolhi o seu curso porq...eu entendo... também sou professora de inglês... tenho uma escola também... está perfeito, ela está no 4º ano de medicina... ah, está perfeito... de acordo com meu orçamento... meu marido trabalha na Transfor, que fica na rua aí atrás... e vai poder dar uma carona a ela... excelente!..."
Abri o livro na página marcada. De novo, não tive como não ouvir a secretária se desculpar com Rosana - que foi obrigada a dar uma rápida pausa no celular - pelo atraso do exame. "Então eu vou dar um pulinho no banco do shopping, ah, o tempo..."
Tempo pra ler umas seis páginas, pensei. Na quarta, o toc,toc do salto apressado anunciava. Rosana chegou. Falando ao celular, claro! Sentou ao meu lado. " ... pois é Luana, cheguei há pouco do Rio, acabei fazendo o curso que voce tinha me indicado... muito bom... prensei todo o final de semana... mas foi ótimo... sei que voce está com pressa... liguei só pra te agradecer a gentileza... é merecemos tomar um café juntas... te ligo pra marcar... beijos..."
"Incomodo você?" - me perguntou, já discando e sem se preocupar em ouvir a minha resposta, rebateu: o tempo, o tempo...
"...Bom dia, Marta, quinta-feira tenho uma palestra, vou ter que sair uns 20 minutos antes da aula. Informa para a Maria Alice que ela vai ter que me substituir neste tempo que falta... tudo bem por aí?... ah, me confirma se o jantar é hoje mesmo?..."
Levantei pra tomar água. "Booom dia..." - pelo menos a voz estava um pouquinho mais longe. Vou ficar um tempo por aqui.















segunda-feira, maio 17, 2010

Um fácil negócio

Nas grandes cidades, a abordagem de "prega dores" à pessoas nas ruas é mais discreta. Se limitam à áreas pobres, onde há mais facilidade de concentração de homens e mulheres em dificuldades financeiras e sociais. Pela própria obviedade, os sofredores são mais frágeis de convencimento, tipo, "pior do que está, é impossível, quem sabe sigo este caminho." Acreditar em algo mais, se torna um conforto...
A carência é grande. Daí não ser muito estranho perceber que, em pleno Morumbi, dito bairro nobre de Sampa, há uma espécie de marcação cerrada por zona, dos ditos doutrinadores. (Pra quem não sabe, existe até associação internacional deles). Ainda que discretos, eles sentam em determinados bancos de pontos de ônibus. Conforme a cara do vizinho que sentará ao seu lado, tá eleita a vítima. E pra isto tem que ter muito feeling. Só uma observaçãozinha: já tentou fazer um comentário inocente com um paulista na fila da padaria, por exemplo? A pessoa te olha com cara de voce é louco? Por que tá falando comigo???

Pois bem, dia destes, durante a caminhada, decidi sentar ao lado de uma "presa". Um jovem, aparentando timidez. Por cerca de três minutos, ele ouviu do coroa bem trajado, com jeito de respeitável, a opção de pertencer à Comunidade Evangélica Senhor da Paz Interior. Até chegar seu ônibus, o cara só ouviu. E levou no bolso um impresso com mais informações da seita. E claro, número do registro e cadastro nos órgãos responsáveis.

Fácil assim, porque a mamata é institucionalizada. Não existem requisitos para abrir uma igreja por aqui. Nem um determinado número de fiéis, nem sequer uma linha teológica. Basta uma apresentação da entidade, ou seja que nome se chamar, em forma de documento, para obter a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, o conhecido CNPJ.

Simples assim! Inclusive um, dois, três celulares da Oi, já que tocamos no comercial da dita. Isto porque, o número do CNPJ abre as portas pra tudo: uma conta bancária, com aplicações financeiras, e o que é melhor, sem qualquer tributo, diferente do que uma empresa comum é obrigada a pagar sobre este tipo de operação.

Pela constituição, união, estados e municípios são proibidos de cobrar impostos de templos, independente de cultos. Mas pode cobrar pela prestação de serviços, comprar casas, carros sem pagar Iptu, Ipva e Iss, em nome de seus criadores e dirigentes. Tem mais, se um deles, incluíndo aí, pregadores e sacerdotes forem presos, tem direito a prisão especial.

Um trabalho e tanto, né não?