sexta-feira, março 28, 2008

Vira casaca ?!

Todo jornalista que cobre ou já cobriu a área política sabe que o que se fala hoje pode já não ser a mesma conversa de amanhã. O que um político anuncia agora, como decisão irrevogável, foi revogável há dois cafezinhos, após uma breve conferência com um colega ou falando em um celular na sala de chá do Senado, por exemplo.

Lembro de uma entrevista coletiva feita com o Collor, quando o seu desastrado plano já estava assinado, garantindo que a poupança dos brasileiros jamais seria mexida. Lembro de uma entrevista com o Lula, então apenas presidente do PT, nos anos 90, condenando o Proer, o plano de socorro dos bancos, como a mais "descarada cara de pau" do então Presidente FHC, de tirar dinheiro da classe média pra pagar a incompetência dos empresários.

Pois não é que o próprio Lula, há poucos dias, oferecia seu assessoramento ao governo Bush no socorro aos bancos americanos com o tão apedrejado Proer! De carrasco à senhor-propaganda. Eu posso com isso?

Mudar de opinião, algumas vezes, pode até ser saudável. Denota um certo despreendimento. Mostra um ser humano flexível. Descompromissado de radicalismos. Xô embotamento... Tudo bem. Agora, só não vale mudar de time. Lula sãopaulino? Sei lá, depois desta, tudo é possível. Não tão falando que o São Paulo já tem mais torcedores do que o Corínthians?...


segunda-feira, março 24, 2008

Natureza morta!

Todo o dia era assim. Eles chegavam quase despercebidos, sempre no final da manhã. Sentavam na última mesa da barraca, na frente do mar. Pediam duas cervejas. Ficavam pouco mais de uma hora. Pagavam ao garçom e iam embora, em direção ao calçadão.

Ele, já senhor, parecia aposentado. Sempre de boné preto e vermelho, que tinha o escudo do Flamengo no meio. E imensos óculos escuros, que nunca tirava do rosto. Mesmo quando o tempo estava nublado.

Ela, cabelo pintado de loiro, com a raiz preta sempre à mostra. Só se vestia com canga, sempre amarrada como um vestido. Às vezes, vermelha, com detalhes de bolinhas brancas. Às vezes, estampada com grandes flores coloridas. Nunca tirava, porque nunca entrava no mar. Como seu companheiro. Era bem mais jovem do que ele. Quase não falava. Mas chorava muito. E sempre baixinho.

Todo mundo que frequentava aquele pedaço de praia, já sabia. Ainda na metade da primeira cerva, começava o rosário de estupidez. "Puta, vagabunda, preguiçosa", eram palavras gentis, diante do montão de acusações que o covardão despejava em seu ouvido. Baixinho. Como sempre. Depois saiam de braços dados.

Esta rotina durou quase seis meses. "Cinco meses, e dezesseis dias", pra ser mais exato. Segundo a contagem do garçom, que custou a acreditar ao olhar o relógio, marcando duas da tarde. O casal não havia aparecido, naquela terça-feira. Nem no dia seguinte. Nem na outra semana. "Melhor assim. A clientela agradece, a trégua na baixaria", observou.

Foi numa sexta, quase quinze dias depois, que a mesa voltou a ser ocupada pela freguesa cativa. Desta vez, com seu novo companheiro. Este, bem mais forte do que o antigo. Também usava um boné. Só que cinza. Também portava óculos escuros. Mas bem menor. Tipo rai-ban. Ah, e um bigodinho ridículo. Parecia policial. O horário também não era o mesmo. Cinco da tarde. A bebida, continuava sendo a ceva. Mas com um detalhe. Acompanhada de uma taça de cana.

"Se não tiver steinhaiger, manda comprar", ordenou em alto e bom som o novo companheiro da loira.

E foi em alto e bom som que, uma hora depois, a loira voltava a sofrer o mesmo calvário. "Sai daqui, sua puta vagabunda!" Ela continuava sem falar, olhando impassível para um ponto qualquer da praia. Até receber um soco. E tão violento, que lhe arrancou um dente!

Imediatamente, o garçom e o segurança expulsaram o valentão da barraca. Que só deixou o lugar, após despejar mais um monte de asneiras e palavrões em direção à sua companheira. Esta, continuava inerte, segurando um lenço junto à boca, olhando na direção do mar. Até ir embora sozinha. Chorando baixinho.

Dois dias depois, perto das cinco da tarde, os dois foram vistos, entrando abraçados, na barraca do lado.


quarta-feira, março 12, 2008

Aconteceu no Lami - Parte III - Bandidos e abelhas se unem para o contra-ataque


Uma? Duas? Que horas serão? Perguntou Saly nervosa. Na verdade, pareciam mais de 10 horas, que as duas estavam alí, naquela situação de pânico. Longe do mundo. O pior é que não adiantava nem gritar. Quem iria ouvir? A distância entre as casas da vizinhança era de quase 5 quilômetros... "Será que chegou a nossa hora? Não sei por quê, mas eu tinha um pressentimento de que a gente iria morrer juntinhas..." , disse Lisa.
Morrer... agora? Com 26 anos? Pensou, baixinho. Agora que me achei... encontrei o caminho da minha felicidade... da minha natureza, pensou Saly, relembrando a descoberta de sua identidade sexual, há pouco menos de um ano, depois de dois casamentos formais e uma bem grandinha lista de namorados. E no auge da beleza... Loira, cabelos compridos, olhos verdes, rosto magro, corpo perfeito, que fazia parar a conversa dos frequentadores de qualquer bar ou restaurante, quando ela entrava...


Saly olhou pra Lisa. Quem diria! Aquela mulher magra e cheia de energia, quatro anos a mais do que ela. Conhecedora do mundo, com vasta vida aventureira. Seu meio de transporte era uma moto, que ela pilotava com perfeição, sem dispensar os seus altíssimos saltos. Com perfil de bailarina espanhola, como sua origem. Especialista em deslizar nas passarelas, apesar de sua pouca estatura. Cabelos lisinhos e negros, como seus grandes olhos, moldados por sobrancelhas arqueadas e fartas, que lhe davam um ar de mistério sensual. Boca carnuda, sempre ressaltada por um baton vermelho uva, do qual ela jamais se separava .
"Nuuuunca, a gente vai sair dessa... e é agora", reagiu Saly, ao mesmo tempo em que tentava se livrar de um incômodo inseto, que teimava em zunir aos seus ouvidos. Insistente. "Porra, que saco! Uaaaaaaaauuuuuu, uma abelha, Lisa. Olha o ferrão!... Ih, outra... Ih... Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiii !!!Caramba, de onde elas estão vindo? De lá?...


Quando olharam pra cima, não acreditaram no que estavam vendo sob suas cabeças! Uma violenta descarga de adrenalina invadiu como uma bomba o cérebro, o corpo, as pernas das duas! Um imenso quadro negro pairava sinistro por toda a imensidão da sala! Na luz do lampião e sob os neurônios do pânico, a visão era de um horripilante filme hitcochiano. Demorou um certo tempo até elas caírem na real. O teto estava impregnado de abelhas, que para seu olhos apavorados pareciam mais com monstros dinossáuricos!


E agora? - gritou Lisa, pra depois cair em prantos, ao mesmo tempo em que tentava tirar os ferrões das costas de Saly, que urrava a cada tentativa. "Não tem jeito, se correr o bicho pega...Vamos embora! Mas, presta atenção, tu só sai daqui quando eu ligar o carro e acender os faróis!" - sussurrou Saly, pra ninguém ouvir o plano. Lisa parecia petrificada.


Era só pegar a chave do carro e se mandar! Mas... cadê a chave ?!!? "A-a-a-cho que táá láa, na ignição...?! " - repondeu Saly, com a voz tremida.


Si... Quem sabe... Onde... Como... O momento não permitia conjecturas. Nem palavras difíceis. Nem diálogo, como alerta a minha crítica literária preferida. A ação já estava traçada e elas tinham que contar, novamente com a sorte. Então começaram a retirar os móveis à frente da porta. Bem devagarinho, pra não alertar a quem estivesse fora da casa.


Primeiro o armário, o sofá, a mesa...Que as duas tiraram com uma perfeita rapidez e sincronismo, de fazer inveja à qualquer preparo olímpico! Abrir a porta, agora, era uma questão de segundos... Rápido ou devagar? As duas formas! Saly já via a cena em sua mente: abriria a porta rápidão e ficaria agachada, ao lado, espiando a reação externa. Se continuasse o silêncio, sairia correndo, abriria a porta do carro e... ihhhhh. Na verdade, a cena que Saly via era a de que, nesse momento, já teria sido fuzilada por um bando de marginais, postados por trás das árvores. Ou, o pior (?) sendo cercada por todo o bando armado, que as deixariam à mercê de sevícias e maus tratos...


Saly sabia que não tinha mais jeito. A sorte estava selada. Se ficar o bicho come!


Saly deu um beijo e um forte e esperançoso abraço em Lisa! "Não esquece, espere eu ligar". Abriu a porta da casa. Nem tão rápido, nem tão devagar. Nem se abaixou. Espiou. Mas também não esperou. Saiu correndo e instintivamente pôs as mãos na cabeça, com se estivesse se protegendo de tiros.


Que longos e sinistros, aqueles quase 30 metros que a separavam do carro! Ainda pode perceber que a noite estava clara, como ela ainda não tinha visto, desde que estava lá. Consequência do intenso brilho da lua e das estrelas, que pareciam muito próximas dela. "Pertinho do céu", observou. Isto, por questões de segundos, apenas, já que que seu pensamento voltou a se fixar nas chaves do carro: tomara que esteja na ignição! Tem que estar na ignição! Claro que estão lá!


Nesse meio tempo, Saly voltou a sentir um desespero de morte: e se a porta estiver trancada? Será que que eu baixei o pino? Não, acho que não... Porque iria fazer isto?...


Cada passo dado a frente representava milhões em prol de vidas. Como ela imaginava já ter atingido mais da metade do caminho, a sensação que tinha era de crescimento. Como se um balão estivesse inflando e já já, ela iria sair voando. Flutuando, seria melhor. Leve e livre, ao sabor do vento, sem lenço e documento, sem qualquer preocupação com ladrões e perseguições...


Uma. Duas. Não. Não estava trancada. A porta do carro abriu só na terceira tentativa. Bingo! A primeira parte já estava vencida! "Vamo. Vamo. Vamo carrinho. Não me deixe na mão agora... Não vai fazer como naquele dia em que chegamos. Pega! Pega...


Uaaaaaaaaaaauuuuu !!!! Tô com sorte. Eu sabia! Eu sabia! Eu te amo!


Saly acendeu os faróis, o que iluminou todo o quintal, no fundo da casa, já que o carro estava de frente pro mesmo. Rapidamente engatou a ré e acelerou até a frente da mesma, já com a porta do passageiro aberta. Lisa já estava fora e correu pra dentro do carro. A distância até o portão de entrada era cerca de 50 metros, trafegando pelo caminhozinho de areia. Saly tentou encurtar o dito, passando por cima da grama. Teve que parar, bruscamente, diante de uma árvore, mas continuou acelerando o carro em ponto morto, pra evitar qualquer surpresa desagradável. "Já pensou o carro morrer agora?" - brincou Saly, ainda tensa.


Pareceu uma eternidade, o tempo percorrido em poucos segundos, até o portão de madeira do sítio. O mais difícil foi mesmo abrir, pois estava preso com uma forte proteção de arame farpado, retirado com dificuldade por Lisa, que voltou pulando de alegria para entrar, novamente, no carro. Desta vez, o caminho em direção à civilização estava livre!


A não ser que...


( Quem ainda tiver saco e curiosidade pra acompanhar a saga de Saly e Lisa, mais ou menos nos anos 80, a história continua à qualquer dia, neste mesmo bat local).













domingo, março 09, 2008

Faz parte. Mas até quando?

Sei que em todos os públicos, as análises precisam serem feitas com moderações. Seja em um encontro de jogadores de futebol, como em um congresso de cientistas. Para um jornalista, principalmente, que vai cumprir os eventos. É preciso vestir, literalmente, as roupas, de acordo com o ambiente. Tanto na parte física, quanto mental. Com isto, você se desnuda dos limites. Dos "pedestais" intelectuais. Da arrogância, tão comum entre os que tiveram alguma chance de cultura. E partir para cobrir a matéria, como se fosse um igual.

Desta forma, tento ver o Dia Internacional da Mulher, como parte do meio. Já aceito os inumeráveis presentes e cumprimentos, especialmente das mulheres, sem qualquer irritação. Faz parte. Do que mesmo? Ah, da sociedade. Como o dia das mães, dos pais, do amigo, dos namorados. Dos gays. Dos índios. Dos negros. Faltam o dos homens, dos cachorros, dos políticos...

E assim a vida segue normalmente. Depois da festa, das homenagens, das várias matérias ( que merecem até capas) , resta esperar o ano que vem. Tudo como dantes, no quartel de Abrantes. (Que por sinal é muito bonito). Os homens continuam pensando igual ( mesmo àqueles que presentearam as mulheres de suas vidas com flores). As mulheres ( que receberam e também homenagearam), continuam com o mesmo pensamento e a mesma rotina dentro de casa: trabalhando duplamente e ensinando suas filhas a trilharem o mesmo caminho. "Entendo que as mulheres precisam lutar pela sua independência, mas não admito que um homem faça os trabalhos domésticos, como lavar roupa e pratos ou varrer a casa", segundo revelou uma jovem senhora bibliotecária cearense, de 29 anos ao jornal o Povo, durante uma caminhada de protesto em prol das mulheres, na avenida Beira-Mar. "Por que a mulher é mais sensível e faz parte da natureza dela cuidar das pessoas", justificou outra, dona de uma banca de revistas.

Então tá. O que adianta tentar modificar o status quo, enquanto o homem continua sendo educado o contrário? Seria hipocrisia dizer que isto acontece somente nas classes menos favorecidas. Ocorre até entre os que têm a responsabilidade do esclarecimento. Como os jornalistas. A gente sabe que há muito mais mulheres trabalhando na profissão do que os homens. Mas quantas são responsáveis por escrever um editorial de jornal, rádio ou tevê?

Como diz o meu colega Sakamoto: " jornalistas acham que são iluminados pela razão. O jeito que tratamos nossas companheiras de trabalho - conscientemente ou não - mostra que vamos na mesma lenta toada da sociedade como um todo, engatinhando para sair da idade das trevas do preconceito".