quinta-feira, janeiro 17, 2008

Do paraíso ao inferno ( cont. da história lá debaixo, Aconteceu no Lami - Parte II)


"Como? Tu tá brincando comigo, ...? Eu trouxe o gelo, tá até aqui, óh, no uísque..." - respondeu uma também incrédula Saly.
"Ah, querida, deixa de besteira, este gelo eu acabei achando, quando estava retirando os refrigerantes do isopor. Eu tinha esquecido deste detalhe... Acho que tu já tá é bebum...", ressaltou Lisa.
"Mas, e o menino? Não é possível que tu não o tenhas visto?..."
", pára com isso, Saly. Já enchi o saco! Isto tá me tirando a paciência!" - reagiu Lisa, com a voz tão alterada, que decretou de vez os questionamentos.
À tardinha, deixou o local mais bucólico. Momento do coro interminável de milhares de pássaros, que retornavam ao aconchego de seus cantinhos, entre as pereiras e paineiras centenárias do lugar. E foi embaixo de uma destas imensas árvores, um pouco afastada da entrada da porta da frente da casa, observadas por uma lua que parece ter aumentado vinte vezes o seu tamanho e sob um céu pontilhado de estrelas de todas as formas, que as duas resolveram fazer o tão falado e decantado churrasco de uma noite de verão. Longe do auê e dos apartamentos da cidade!
Entre um papo e outro, uma taça de vinho e outra eis que do cenário lúdico, à presença do pai, foi um pulo. "Não. Não acredito em outra vida após a morte, porque quando meu pai morreu, ficava dias e noites implorando pra que ele aparecesse pra mim, de alguma forma. Fazem 13 anos e até agora nada... Imagina, da maneira que ele me amava, jamais iria me decepcionar...", justificou Saly, a sua descrença em outras vidas. E inesperadamente, começou a chamar pelo pai, aos berros, literalmente.
Lisa resolveu interromper, ligando o rádio do carro, que estava próximo.
"Faaaltam 10 minutinhos pras 10 da noite, desta locooooomotival sexta-feira!" - Anunciou o locutor da Cidade FM, por sinal, amigo das duas, no exato momento em que Saly perguntara. As duas riram. "Porra, não tem jeito..."- falou Lisa, ainda observando. "Engraçado, parece mais de meia noite, o que a natureza faz! E eu também já caindo".
E era tanto o sono, que as duas deixaram a mesa e todo o resto, pra retirar no outro dia. O carro ficou aberto e o som baixinho. Apagaram os três lampiões da casa.
Duas e meia da madruga, Saly acorda assustada. Olha pra todos os lados do quarto. Tudo normal. A impressão era... Será que teve um pesadelo? Pessoas estranhas entrando na casa... pela porta da frente e com a própria chave...Pareciam saídas de um filme de caubói, chapéus largos, botas... Melhor se concentrar no som do carro. Madona, Betânia, Bee Gees... Até dormir de novo, levou um tempinho...
Desta vez foi real! As duas acordam ao mesmo tempo, com o barulho de passos largos e firmes. Às vezes, parecia alguém correndo, de botas, em volta do varandão que circundava a casa. De repente o silêncio dos passos. O vento parecia arrancar árvores. O som do carro permanecia ligado. Mas a voz de Glória Gaynor parecia vir de um lugar muito longe... "Quem é ? QUEM É?" Ninguém respondeu a pergunta insistente de Saly. Mas os passos continuavam. Ora correndo... ora devagar... Até sumirem total...
Os primeiros raios de sol entravam pelas frestas das janelas de madeiras, fragilmente fechadas. Especialmente a da sala. Agora dava pra perceber melhor, embaixo, a tranca da janela estava enferrujada e a madeira que serve de apoio, se desmanchando. Faltavam ainda dois gravetos, o que deixava à mostra um buraco do tamanho de uma mão. A porta da cozinha estava apenas fechada. Não chaveada...
Saly e Lisa se olharam surpresas. "Como pode?"- observou uma delas. "Será que o cara ainda tá por aqui?"
Saly abriu a porta da frente, beeem devagarinho... deu uma espiadinha. Tudo normal. As folhas das árvores nem se mexiam. A ventania havia parado por completo."Cinco e trinta e dois de um sábado que vai pegar fogo aqui na ciiiciiiciiiidade", anunciou o locutor. O carro estava na frente, intacto. Com a chave na ignição e a porta aberta, do mesmo jeito que havia sido deixado, apesar do forte vento. Estranho, parece que é o Beto que tá brincando com a gente lá fora, pensou Lisa.
O primeiro pensamento das duas foi o de se mandarem pra Porto Alegre correndo. Logo posto pra escanteio. "É só a gente ficar mais atenta, fechar tudo direitinho..." - decretou Saly, se lembrando de um detalhe importante: o carro não pega! Por isto que ela teve que ir a pé, pela estradinha, atrás de gelo... Êpa, agora pegou fácil... Será que eu...
"Saly, olha que linda esta horta aqui atrás da casa", interrompeu Lisa, entusiamada!
"Porra, que milhos grandes e fresquinhos! E como tem... Tá pronto pra colheita. A Clarice não tinha falado disso. Vou pegar um prato pra gente cozinhá-los. Ei, olha lá, parece alface, beterraba, caramba... Tem até um galpão... e tá cheio de ferramentas! E este poço? "
Deveria ter uns 2 mil metros de profundidade. A caneca de aço inox, pra beber, por incrível que pareça, estava pendurada na borda do poço, por uma imensa corda de palha. A água gelada e fresca, tinha um sabor de liberdade e natureza! O galpão estava organizado e limpo, mas parecia não ser mexido há muito tempo! Ou... a limpeza poderia mostrar o contrário?
A tarde correu mansa, como nas casas das cidades do interior. A água do poço foi utilizada como chuveiro, pra refrescar Lisa e Saly do imenso calor de novembro, na falta de mangueira, piscinas... A descontração era tanta, que Saly até tirou o biquini, ficando nua, pra aproveitar melhor a água. A atitude mostrava que o medo da noite anterior havia passado de vez.
"Que tal um churrasquinho?" - sugeriu Lisa, sentada na escadinha da porta da frente da casa. "Tá bom, vou pegar o carvão lá dentro e uma cadeira pra gente curtir um pouco o céu na sua luz natural, antes de acender o fogo, tá legal ?", disse Saly.
"É impossível só existir vida na terra? Olha que universo imenso... olha quantas estrelas... fora outros muitos sistemas que devem existir por aí..." falou Saly.
"Ah, com certeza. Tu já vistes disco-voador, Saly? Eu já. Foi numa noite de setembro, um feriadão... Devia ter uns 19 anos. Ainda era casada com o Jorge. A gente "tava" na praia... em Capão da Canoa, não na beira, mas no centro. De repente, um monte de gente "tava" olhando pro céu. Parecia uma trilha de pratos descendo, seis, na verdade, todos, iluminados, indo em direção ao mar. E todos deixavam rastro, como se fossem cometas... De repente, o primeiro sumiu, logo depois o segundo... o... (!?!?) que foi Saly?"
"Lisa, entra logo pra dentro de casa, mas devagarinho..." - sussurrou Saly.
Feito isso, Saly seguiu Lisa e bateu com a porta rapidamente, derrubando a chave que estava na fechadura do lado de fora. "Tu não viste? Tinha um cara espiando bem do lado da casa, pertinho da gente... A primeira vez que eu vi, pensei que fosse impressão minha, mas a segunda, deu pra ver direitinho, quando ele deixou toda a cabeça de fora... Deve ter mais. Pode até ser uma quadrilha, que se esconde por aqui perto. Devem estar armados...Lisa pega logo o revólver!!! - gritou Saly, como forma de persuadir algum bandido, já que as duas não tinham qualquer porra de arma.
O sofá, a mesa da sala, o armário da cozinha... tudo foi encostado à porta, pra impedir qualquer tentativa de abertura, já que não estava trancada. Saly se armou com uma enxada, que estava atrás da porta da cozinha. Lisa segurava uma pedra, que servia como tranca para impedir que o vento batesse a porta. Cada uma posicionada estrategicamente nos dois lados da porta. A noite apenas começava.
( O resto desta história você vai saber em qualquer minuto, há qualquer hora, há qualquer dia... aqui, neste bat local...).


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