segunda-feira, agosto 01, 2011

Lembrando a virtude do ócio

Dez horas da manhã, de uma segunda-feira gris, de cara amarrada, início das aulas e da rotina apressada de São Paulo. No meio do para e anda da avenida Paulista, ouve-se um sonoro "anda ráááápido, vagabundo!" - de um apressado motorista.


A vítima, um cara de outro planeta, um ciclista de bermuda e camiseta, em ritmo de férias. Não demorou minutos, o et emparelhou sua bike com o cara estressado, no sinal fechado. E disparou, sorrindo irônico um "pô cara, calma! Vai trabalhar! Trabalhar engrandece o ser humano! Quanto mais trabalho, mais virtude! Gera dinheiro e felicidade! Ocupa o tempo e não deixa você pensar em vícios ou o motivo de tanto trabalho..."


Não sei o resto do bateboca, porque segui em frente na corrida diária, enaltecendo o meu "douce itinérant", ou no popular, doce vagabundagem... E de cara, me lembrei de uma crônica do jornalista Sérgio Augusto, sobre a arte de ficar á toa. Ele cita vários pensadores que se preocuparam em produzir e criar em cima do ócio, como Camus "são os ociosos que transformam o mundo, porque os outros não têm tempo algum". Sêneca, "a primeira prova de uma inteligência ordenada é poder parar e aquietar-se consigo mesmo". Montaigne: "entregar-se ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz" . Nietzshe: "quem não tem dois terços do dia para si é escravo."


Já Platão e Aristóteles, se vivessem em Sampa, neste século, seriam castigados por tamanha ousadia de pensamentos e levariam uma surra de neosnazistas, na madrugada de um fim de semana, em plena Paulista. Para eles, trabalhar faz mal à saúde, degrada a alma e impede o homem de servir ao espírito, ao corpo é a polis. E ainda botariam um cartaz sobre seus corpos, com a frase que "decorava" os campos de concentrações : " o trabalho liberta !"


O jornalista lembra que na Grécia antiga, os intelectuais desprezavam o trabalho, tarefa exclusiva dos escravos. Pra deleite da galera, passavam o tempo praticando exercícios físicos, jogos de inteligência e contemplando a vida.


"Mas a moral cristã estragou tudo, santificando o batente (ganharás o pão com o suor de seu rosto) e transformando a preguiça em pecado capital", afirma Augusto, ressaltando o que diz a Bíblia, ter o deus dos cristãos descansado eternamente no sétimo dia.





2 comentários:

Lucia Franquini disse...

Adorei, Sheila, texto leve, livre e solto, como você! Quanto ao tema, o problema é conseguir chegar a este estágio...
Beijos!

Rafael Gres disse...

Só quem deu muito duro na vida pra chegar neste ponto, na verdade. Ou alguém que invista em você, só pra pensar, he he. Ótimo!